14.12.2020 | Cerimónia Comemorativa do 75.º Aniversário da Organização das Nações Unidas e dos 65 Anos da Adesão de Portugal à Organização | Salão Nobre da Assembleia da República, Palácio de São Bento
Há setenta e cinco anos, a 24 de outubro de 1945, entrou em vigor a Carta das Nações Unidas.
Nasceu a Organização dos escombros da Segunda Grande Guerra, dos horrores da tirania, do racismo e da discriminação.
Os campos de concentração do Holocausto lembram-nos como pode ser incomensurável a capacidade de o ser humano infligir o mal ao seu semelhante.
Sabemos, porém, e felizmente, que a humanidade é capaz de se exceder no melhor.
Em agosto de 1941, dois grandes Estadistas, Franklin Roosevelt e Winston Churchill, assinavam a Carta do Atlântico.
Não tardaram seis meses para que em Washington fosse assinada a Declaração das Nações Unidas.
Muito devemos a Cordell Hull, que por tal seria galardoado com o Prémio Nobel da Paz em 1945.
No preâmbulo da Declaração das Nações Unidas está a semente do que viria a ser o seu ADN: a defesa da vida, da liberdade, da independência e liberdade religiosa, dos direitos humanos e da justiça, princípios e valores consagrados na Carta assinada em junho de 1945, em São Francisco.
Passadas mais de sete décadas, que balanço podemos fazer das Nações Unidas?
Elas continuam a ser a trave-mestra da ordem internacional multilateral assente em valores e princípios.
Sem elas o mundo seria outro – e seguramente muito pior.
Hoje, que tanto se fala na sua reforma e das insuficiências do multilateralismo, não devemos esquecer, porém, a solidez das bases em que assentam.
Se vemos com abertura a sua reforma, não podemos, contudo, descurar os seus princípios basilares.
Pensemos na Declaração dos Direitos Humanos de 1948.
Como bem afirmou Eleanor Roosevelt, a Declaração dos Direitos Humanos é a magna carta internacional de todos as pessoas em todos os lugares.
Muito mais devemos às Nações Unidas: assim sucede com as suas missões de paz, em tantos lugares, que tanto têm feito para amortecer conflitos.
E como poderiam portugueses e timorenses não ter presente nos seus corações Sérgio Vieira de Mello?
O reconhecimento da ação das Nações Unidas e das suas Agências tem sido expresso em inúmeras ocasiões com a atribuição do Prémio Nobel da Paz.
Foi-o no caso da Organização, de dois dos seus Secretários-Gerais – Kofi Annan e Dag Hammarskjöld, morto também ele ao serviço da Organização –, e de várias das suas agências. Foi o caso, em 2020, do Programa Alimentar Mundial.
Têm as Nações Unidas tido a capacidade de se adaptarem e de serem uma força motriz de mudanças e da resposta aos sucessivos desafios com que, desde a sua fundação, a Humanidade se confronta.
Na área da segurança e defesa sabemos dos condicionalismos à sua capacidade de intervenção, onde é decisivo o entendimento no seio do Conselho de Segurança entre os seus Membros Permanentes.
A composição deste Órgão – cinco Membros Permanentes e dez Membros Não Permanentes – não reflete a evolução da comunidade internacional nem a realidade geopolítica de hoje.
É cada vez mais imprescindível a sua reforma, alargando o número de Estados que o integram, de modo a refletir a vivência multipolar, que é a dos nossos tempos.
A ONU é, no entanto, muito mais que um só Órgão, por tão nevrálgico que seja.
Lembro a sua ação, muito especialmente da Assembleia Geral, no processo de descolonização.
Hoje as Nações Unidas contam com 193 Membros. São, por essência, a Organização universal.
Tem-lhe cabido uma ação pioneira e divulgadora em questões de sociedade, que continuam a ser desafios do nosso tempo.
Recordo muito em particular a criação, em 1961, do Programa Alimentar Mundial.
Em tempos de pandemia de COVID-19, devemos ter presente a advertência feita pelo Diretor Executivo do Programa Alimentar Mundial, David Beasley, na Assembleia Geral das Nações Unidas, alertando para os riscos globais de fome e de insegurança alimentar e de 2021 poder vir a ser o pior ano de crise humanitária na História das Nações Unidas.
Poucos dias decorridos, na cerimónia de aceitação do Prémio Nobel da Paz, David Beasley voltou a convocar-nos para a ação, e cito: «(…) Devido a tantas guerras, às alterações climáticas, ao uso da fome como arma política e militar, e à Pandemia, que agrava tudo exponencial exponencialmente – 270 milhões de pessoas caminham para a fome severa».
Este é um apelo a que nenhum de nós se pode eximir.
Lembro igualmente a celebração, em 1975, do Dia Internacional da Mulher, que a Assembleia Geral institucionalizaria em 1977, de cujos desenvolvimentos marcantes sobressai a adoção, em 1979, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.
E que dizer do trabalho feito pela UNESCO em prol da defesa do património material e imaterial da Humanidade?
Como é também único o trabalho das Nações Unidas na defesa do Ambiente e no combate às alterações climáticas.
Foi o caso do Protocolo de Quioto de 1997, que operacionaliza a Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas.
Em 2015, sob a sua égide, foi assinado o Acordo de Paris, um instrumento juridicamente vinculativo.
São pertinentes as palavras proferidas há poucos dias por António Guterres na Universidade de Columbia sobre o estado do planeta:
Lembro a nossa participação empenhada em missões de paz.
Falando apenas das atuais, estamos presentes com forças militares e de segurança no Mali, MINUSMA, na República Centro Africana, MINUSCA, e na Missão de Verificação das Nações Unidas na Colômbia.
Lembro a nossa eleição duas vezes para o Conselho de Segurança.
Lembro ainda o prestígio que é para Portugal ter António Guterres como Secretário-Geral das Nações Unidas, tendo antes sido Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, e ter António Vitorino como Diretor Geral da Organização Internacional para as Migrações.
Acima de tudo, somos fiéis à nossa matriz de viver e de estar: abertos, plurais e multiculturais, uma Nação construtora de pontes, promotora do diálogo, respeitadora do Direito Internacional, firmes defensores da paz, da liberdade e do respeito pelos direitos humanos.
Tantos são os resultados alcançados, tantas vezes conseguidos na adversidade, que me levam a expressar o meu agradecimento e a minha esperança em que esta Organização que é de todos nós em todos os países continue a ser um baluarte da cooperação e de orientação na construção de um mundo mais justo e harmonioso, em paz e em liberdade.
Antes de terminar, permitam-me que saúde o Senhor Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, Deputado Sérgio Sousa Pinto, pelo impulso que deu à realização desta Cerimónia.
E permitam-me também que agradeça ao Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que aqui representa o Senhor Primeiro-Ministro e o Governo, e, naturalmente, a Sua Excelência o Presidente da República por, desde o primeiro momento, ter manifestado a sua disponibilidade para marcar presença e intervir nesta Sessão, que, mesmo num quadro generalizado de pandemia, é uma realidade.
Muito obrigado.
Eduardo Ferro Rodrigues
Presidente da Assembleia da República