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06.07.2020 | Conferência Parlamentar O impacto estratégico da pandemia da COVID-19 no ambiente internacional | Sala do Senado, Palácio de São Bento

Antes de mais, permitam-me que felicite as Comissões de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e de Defesa Nacional pela organização desta Conferência, alusiva ao impacto estratégico da pandemia da COVID-19 no ambiente internacional, uma iniciativa que contou, desde a primeira hora, com o apoio da Comissão Portuguesa do Atlântico.

Ao falar do impacto estratégico da pandemia de COVID-19 devemos ter presente o quadro em que esta se move:

– Estamos perante uma ameaça transversal: num rompante, fomos confrontados com uma emergência que abala os nossos serviços de saúde, a nossa vida económica e a nossa forma de estar em sociedade;

– Não sabemos se haverá uma segunda onda da pandemia, nem qual poderá ser a sua extensão ou gravidade.

O que temos por certo é que não podemos abordar o impacto da COVID-19 isoladamente.

Ele existe num contexto.

Antes do mais, a pandemia mostra que a dicotomia tradicional entre segurança interna e segurança externa não é estanque.

Um breve relance pelo meios de comunicação social permite-nos concluir como são comuns a todos os Países os dilemas que enfrentam.

Se divergências há nas respostas, elas residem no respeito – como é o caso da União Europeia – pela Democracia e as suas Instituições, que nos distingue de resposta autoritárias, ou na diferença entre as respostas políticas baseadas nas evidências científicas disponíveis e as respostas populistas, com os resultados que estão à vista de todos.

O facto incontestável é que o quadro meramente nacional é hoje insuficiente.
Enquanto Membros da União Europeia, a resposta nacional precisa da dimensão europeia. Esta amos perante uma ameaça que é exógena e que não deixa imune nenhum Estado-Membro. 
O mesmo não se pode dizer da capacidade de resposta.

Não me refiro apenas à capacidade de resposta sanitária em que, como bem se afirma na Declaração do Trio de Presidências ao nível parlamentar que assinei na semana passada com os meus homólogos alemães e eslovenos, há que reforçar a capacidade europeia na gestão deste tipo de crises.

Refiro-me também às políticas que mitiguem a devastação económica resultante da COVID-19 e que sejam uma alavanca de recuperação.

Ainda na semana passada, Luis de Guindos falava no risco de uma recuperação a duas velocidades.

Não admira, assim, a importância que é dada ao Recovery Fund e à conclusão célere das negociações sobre o próximo quadro financeiro plurianual.

E, como é óbvio, tudo devemos fazer para Schengen volte a funcionar plenamente e que as quatro liberdades da União voltem a ser reais.

Uma União Europeia fraturada internamente é uma União mais frágil e menos capaz de defender eficazmente os seus interesses externos.

A exigência da resposta europeia não se fica pela política orçamental e monetária. Está em causa a política industrial.

Os dramas da falta de ventiladores, da falta de máscaras, alertaram-nos para a perda de capacidade industrial europeia.

Ao longo de anos e anos foi-nos oferecida a imagem de uma globalização que, por si só, seria fonte criadora de riqueza e de bem-estar, congregadora de interesses e valores.

A pandemia revelou-nos outra realidade.

Afinal de contas, o outsourcing, as deslocalizações e a transferência de know-how deixaram-nos expostos: primeiro, na coesão social e nas desigualdades, que ao longo de anos foram displicentemente descartadas como danos colaterais, e, agora, também na nossa capacidade sanitária.

E que dizer das ruturas nas cadeias de valor?

Lembro contudo que já antes da COVID-19 vinham emergindo as consequências políticas da miragem de uma globalização idealizada: Países que há poucos anos eram os seus arautos viraram por força dos respetivos eleitorados em críticos acérrimos.

O próprio resultado do referendo do BREXIT não é inteiramente alheio a este facto.

O risco agora é o oposto: é a tentação pelo protecionismo, pelo mercantilismo, pelo bilateralismo.

Esta evolução reflete-se na comunidade internacional, a que a pandemia apenas veio carregar as cores.

São cada vez mais preocupantes as clivagens.

O caso mais em evidência é a tensão entre os Estados Unidos da América e a China, cada vez mais ramificada.

Lembro as disputas comerciais (acompanhadas de sanções), a cibersegurança, o 5G, ou, ainda, as disputas territoriais no mar do Sul da China e o seu impacto potencial nas rotas de comércio marítimo.

E que dizer dos acordos de desarmamento?

Da retirada, pelos Estados Unidos da América, do Tratado de Mísseis Nucleares de Médio Alcance e da retirada do Tratado Open Skies?

Bem sei, que quanto ao primeiro, a tal não foram estranhas novas capacidades militares russas – nem, porventura o facto de a China não ser parte.

Mas não é apenas entre os Estados Unidos da América e a Rússia e China que o ambiente de relacionamento se tem degradado.

Que dizer da NATO?

Do questionamento da sua relevância?

Do recrudescimento da disputa em torno do burden-sharing?

Do anúncio recente de retirada parcial de forças americanas da Alemanha?

E que dizer da Líbia, onde ainda há pouco ficou patente a tensão entre a França e a Turquia?

Falei de fraturas e de crise do multilateralismo.

Há mesmo quem fale do fim da ordem internacional tal como a conhecemos desde o fim da Segunda Grande Guerra Mundial.

O tempo o dirá.

O que me parece evidente é que o multilateralismo é hoje mais necessário do que nunca.

Ainda na semana passada, o Secretário-Geral da NATO, e a propósito da COVID-19, falava na necessidade de uma abordagem global para enfrentarmos os desafios atuais.

Com razão.

Há questões que são transversais e que requerem a resposta de todos, porque todos somos diretamente afetados:

– O aquecimento global;

– O seu impacto nas vias de comunicação marítima (pensemos no Ártico);

– O espaço;

– A perda de biodiversidade;

– O desenvolvimento sustentável e o cumprimento dos Objetivos do Milénio;

Os desafios que se enfrentam com as migrações à escala mundial e que não foram suplantados com a pandemia, exigem, mais do nunca, uma solução abrangente, duradoura e sustentável.

Uma urgente reforma do direito de asilo europeu não se torna necessária apenas por motivos humanitários.

Na Declaração do Trio de Presidências a nível parlamentar fica expresso o apoio à tentativa da Comissão Europeia de alcançar um marco com o novo Pacto para as Migrações e Asilo.

Simultaneamente, temos também de prosseguir com o nosso empenho na proteção das fronteiras externas da União Europeia e garantir a recuperação da funcionalidade do Espaço de Schengen.

Neste contexto, sugerimos, conjuntamente, a realização de uma Conferência de Alto Nível sobre Migrações e Asilo na Europa, que se reúna, periodicamente, sob os auspícios da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu.

O objetivo é lançar uma plataforma parlamentar de debate para implementação de um amplo diálogo sobre todas as vertentes ligadas às migrações.

Estamos na era da mobilidade e da Informação.

Mais do que nunca, a cooperação internacional é uma exigência.

Sem ela, todos perdemos.

Perante este quadro, qual deve ser o nosso posicionamento?

Em matéria de relações externas, as constantes são bem mais perenes que a volatilidade dos ciclos económicos.

Somos Membro pleno da União Europeia.

Num mundo de hiperpotências, à União Europeia bem se aplica a noção de holística; o todo é maior que a soma das partes.

Mesmo a Alemanha, a maior economia europeia, é a quarta a nível mundial.

O melhor exemplo é o Reino Unido, enredado nas negociações de saída e na negociação futura de uma multiplicidade de acordos comerciais.

E isto para não falar de que perderam as vantagens decorrentes da sua qualidade simultânea de membros da União Europeia e da NATO, que alicerçava Londres na sua relação especial com Washington.

Devemos bater-nos por uma Europa mais forte.

Para tal, a Europa terá que ser mais coesa e vista pelos cidadãos como um bem comum:

– Somos uma Nação Atlântica. É do interesse português e europeu preservar o elo transatlântico. Há valores que congregam as duas margens do Atlântico, o que não sucede necessariamente com outras geografias;

– Devemos estar atentos a ameaças não convencionais: as guerras híbridas, o terrorismo, a cibersegurança, a proteção de infraestruturas críticas, a energia a as ameaças resultantes das alterações climáticas;

– Somos uma Nação com elos profundos a outros continentes e, muito em particular, à grande Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Também aqui há, por vezes, motivos para perplexidade. O que interessa é que ponhamos o olhar no médio e longo prazo e no muito que nos une;

– Somos uma Nação defensora do multilateralismo, de uma ordem internacional assente em regras, na defesa do respeito pelos direitos humanos: vale a pena lutar por estes princípios. A melhor expressão de reconhecimento do bem-fundado desta nossa maneira de ser está nos nossos concidadãos que ocupam lugares de tanto prestígio a nível mundial. 

Em suma, estamos perante uma comunidade internacional em evolução, em que a pandemia tem funcionado como um contraste que torna mais visíveis as veias, com novos equilíbrios de forças e uma multipolaridade crescente, não assente todavia em valores e princípios comuns.

É uma realidade nova, mas que não abala os alicerces em que se funda a nossa ação externa: a Europa, o elo transatlântico, o espaço dos Países de Língua Oficial Portuguesa e as nossas Comunidades, e a defesa do multilateralismo, pelo que contém de congregador de cooperação e de respeito pelo Direito Internacional.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Eduardo Ferro Rodrigues
Presidente da Assembleia da República