No dia 3 de janeiro de 1903, os Deputados reúnem pela primeira vez na nova Sala das Sessões projetada pelo arquiteto Miguel Ventura Terra, responsável pela reconstrução do espaço e pela remodelação do edifício do Palácio das Cortes, a designação do Parlamento na época.
Nada no
Diário da Câmara dos Senhores Deputados desse dia dá conta desse momento inaugural.
Na véspera, o rei D. Carlos I tinha assinalado a abertura solene do Parlamento, discursando na Câmara dos Pares do Reino. Os jornais descrevem pormenorizadamente o cortejo real e a cerimónia de abertura da sessão legislativa e concentram-se também na nova Sala das Sessões dos Deputados.
Com uma configuração em anfiteatro e iluminação natural por uma claraboia, a nova Sala dá a "aparência de uma grandeza que as suas dimensões realmente não têm"
(1). Por detrás da Mesa da Presidência, destaca-se a estátua do rei D. Carlos I, símbolo do regime monárquico, que vive os seus derradeiros anos.
Amplamente elogiada pela grandiosidade, harmonia de proporções, detalhes soberbos e conforto, apesar de ainda incompleta em pormenores decorativos, a nova Sala é também criticada pela "temperatura gélida" e pela acústica desadequada para um espaço "onde há que ouvir e onde há que dizer"
(2).
Mala da Europa, 5 de janeiro de 1903, Biblioteca Nacional de Portugal.
Diário de Notícias, 2 de janeiro de 1903, BNP.
A
16 de janeiro, o Deputado José Dias Ferreira compara a tribuna do orador a uma "cave", onde, contrariado, por estar de costas para o Presidente, apenas comparece para se fazer ouvir pelos taquígrafos.
Mais tarde, em
1907, outro Deputado denunciava ainda o problema da acústica:
"Entende que as coisas são bem feitas quando satisfazem o fim para que foram imaginadas, e não por serem bonitas. Fazer uma sala com estátuas, que podem dar pasto à vista, mas que não impedem a necessidade de se empregarem esforços que prejudicam a laringe e os ouvidos, é um cúmulo."
Em 1903, a nova Sala é também ocasião para expor o desinteresse da população pela vida política e parlamentar, que comparece em escasso número à inauguração. Um
artigo de
A Paródia sintetiza este sentimento:
"Ninguém teve curiosidade de ir ver o edifício novo! (…)
O sistema parlamentar tornou-se tão pouco interessante que nem mesmo para o ver funcionar não já em molas novas, mas em cadeiras novas, se desloca gente."
Dias antes, a revista publicava uma
caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro, com a legenda "O novo Parlamento: sistema velho em casa nova", numa referência à ausência de mudança trazida pelo "rotativismo" entre dois partidos – Partido Regenerador e Partido Progressista –, o sistema político que marcava o parlamentarismo da época.
Mas seria nesta "casa nova" que se desenrolariam vários momentos marcantes na vida política e parlamentar do país.
Desde logo, a contestação ao regime monárquico, agravada pela crise do
Ultimato britânico de 1890, é protagonizada pelos deputados republicanos, que, no Parlamento, tiram partido da crise económica, da agitação social e dos escândalos que envolvem os governantes.
Apenas dois meses após a abertura do Parlamento, em março de 1903, eclodiram em Coimbra vários tumultos originados pela cobrança de imposto de selo aos vendedores ambulantes do mercado da cidade, que conduziram a confrontos violentos entre as forças militares a população.
Este episódio, que ficaria conhecido como a
Revolta do Grelo, chega ao Parlamento, pela primeira vez, na sessão de 13 de março, com um deputado a pedir explicações ao Governo sobre a "espécie de revolução em Coimbra reunindo-se de repente 10 000 homens, sem aparecer uma providência de satisfação às reclamações populares", acusando a atuação das forças militares de selvajaria, ao disparar sobre o povo sem aviso prévio.
Em 1906, já com João Franco no Governo, o adiantamento de verbas à Casa Real, como forma de os sucessivos Governos cobrirem as despesas que ultrapassavam a dotação orçamental fixada para os gastos reais, é uma das matérias aproveitadas pelos republicanos para criticar o regime.
Episódio da BD "Fora da lei" sobre os adiantamentos à Casa Real.
A 20 de novembro, Afonso Costa ataca o Governo sobre a ausência de explicações relativamente a esta matéria, referindo que as quantias abonadas à Casa Real constituíam desvios fraudulentos dos cofres do Estado, que estavam a ser encobertos.
Dirigindo-se a João Franco, exige que sejam trazidas à Câmara as contas dos adiantamentos feitos e que sejam repostas as "quantias desviadas com todos os juros" e que, uma vez liquidada a dívida, seja dito ao Rei que se retire do país para "não ter de entrar numa prisão".
Por entre sussurros e palavras pedindo ordem na agitação instalada no Hemiciclo, o Deputado republicano acaba por ser expulso do Hemiciclo acompanhado por forças de segurança, ao afirmar:
"Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI!"
O rei D. Manuel II presidindo à Sessão Solene das Cortes para o juramento do infante D. Afonso como herdeiro presuntivo do trono, 18 de março de 1910, fotografia de Joshua Benoliel, AF-AR.
No Parlamento, é ainda aclamado o último rei, D. Manuel II, a 6 de maio de 1908, após o Regicídio que vitimou o seu pai e o seu irmão mais velho. Mas, nem o novo rei, nem a nomeação de um Governo de "acalmação" surtem efeito e a instabilidade política dita o fim do regime monárquico.
(1) Diário Ilustrado, 3 de janeiro de 1903.
(2) Jornal do Comércio, 8 de janeiro de 1903.