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Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na Sessão Solene com o Presidente da Ucrânia

 21 de abril de 2022

 

Portugal condenou, desde o primeiro momento, com firme determinação, a agressão militar da Federação Russa contra a Ucrânia. Menos de três horas após o seu início, na noite de 23 para 24 de fevereiro, o Governo português reprovou-a publicamente. No dia 24, todos os órgãos políticos de soberania – o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo – condenavam em uníssono o agressor e exprimiam solidariedade e apoio ao agredido.

Fizeram-no então, e têm-no reiteradamente feito, sem qualquer hesitação nem ambiguidade. Para Portugal, o agressor é a Federação Russa e o agredido é a Ucrânia. O ato de agressão é uma guerra ilegal, não provocada e injustificada, que põe em causa a independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia, violando flagrantemente o direito internacional. O agredido tem o direito de se defender e deve ser apoiado nessa legítima defesa. A guerra da Rússia contra a Ucrânia coloca em questão a arquitetura de segurança europeia, constitui a mais grave situação de segurança vivida desde o fim da Segunda Guerra Mundial e representa uma ameaça ao conjunto dos países da Europa e do Atlântico Norte. Estes países têm o direito de reforçar a sua própria capacidade de dissuasão e defesa e têm o dever moral e político de ajudar a Ucrânia. Defendendo-se a si própria, a Ucrânia defende-nos a todos – a todos os que defendemos os valores da liberdade e da democracia e queremos uma ordem internacional baseada em regras e uma paz assente na Carta das Nações Unidas, em que os diferendos e conflitos são tratados e resolvidos por via diplomática e judicial e não através da chantagem e da agressão.

Portugal não se limitou à condenação do agressor e à solidariedade com o agredido. Fez corresponder os atos às palavras. No mesmíssimo dia 24 de fevereiro, o Conselho Superior de Defesa Nacional aprovou, sob proposta do Governo e concordância do Comandante Supremo das Forças Armadas, as medidas indispensáveis para reforçar a participação militar na defesa europeia e atlântica; e os embaixadores de Portugal na União Europeia e na NATO transmitiram a posição nacional de empenhamento nas medidas de sancionamento da Rússia e proteção da Ucrânia.

Ao mesmo tempo, o Primeiro-Ministro declarava que Portugal acolheria todos os cidadãos ucranianos em necessidade de proteção humanitária, sem qualquer restrição. Subsequentemente, o Conselho de Ministros implementaria um mecanismo excecional de regularização imediata da situação de qualquer refugiado oriundo da Ucrânia, de modo a garantir-lhe o acesso pronto à proteção civil, social e sanitária e a facilitar-lhe o emprego e a integração.

Apoiámos imediatamente a condenação expressa pelas Nações Unidas à agressão russa; e estivemos no primeiro grupo de países a solicitar ao Tribunal Penal Internacional a investigação sobre os crimes de guerra. Cooperámos no isolamento internacional do regime de Putin e advogámos e continuamos a advogar sanções duras contra os responsáveis pela agressão e os setores económicos, incluindo os energéticos, que a financiam. Enviámos e continuaremos a enviar bilateralmente apoio material, humanitário e militar à Ucrânia; e participamos ativamente no esforço da União Europeia, mobilizando o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz para providenciar à Ucrânia os meios de defesa. Reforçámos a nossa participação no robustecimento da defesa europeia, designadamente no quadro da Aliança Atlântica.

Na resposta portuguesa à agressão russa contra a Ucrânia pesou certamente o relacionamento estreito que existe entre os dois países. O laço mais forte é constituído pelas pessoas: pela comunidade ucraniana estabelecida em Portugal, na ordem das dezenas de milhares de pessoas, bem integradas, que em muito contribuem para a nossa economia e em cujos filhos se encontram alguns dos melhores alunos das escolas portuguesas; e pelas famílias luso-ucranianas que, entretanto, se foram formando, e residem quer num quer noutro país.

Mas, se o bom relacionamento bilateral, povo a povo e Estado a Estado, explica parcialmente a prontidão e a clareza da reação portuguesa à agressão de que a Ucrânia é vítima, ele não explica tudo, nem o mais importante. Portugal é um país médio à escala europeia, pequeno à escala mundial; não é uma potência demográfica, económica ou militar; mas é uma nação com história, com um posicionamento geopolítico há muito consolidado e com uma política externa que não varia com o Governo do momento, porque exprime interesses nacionais duradouros.

Ora, a chave da nossa política externa é o respeito pelo direito internacional, a vinculação à Carta das Nações Unidas, a valorização da paz e da segurança e o amor à liberdade. E é por isso que estamos, sem hesitações nem ambiguidades, pela Ucrânia, em cujo território se trava hoje a luta pela liberdade, a independência e a paz na Europa.

 

Senhor Presidente Volodymyr Zelenskyy:

É uma honra para o Parlamento português recebê-lo solenemente e ouvir as suas palavras. A participação do Presidente e do Primeiro-Ministro de Portugal, nesta sessão solene, mostra bem a unidade nacional em torno do apoio à Ucrânia, um apoio que junta os órgãos de soberania e que é partilhado por partidos políticos do Governo e da Oposição.

Indignados com as atrocidades cometidas, choramos os mortos, civis e militares, que têm sucumbido à barbárie e ao horror da guerra iniciada pelo regime de  Putin; deploramos a destruição sistemática e intencional de cidades, infraestruturas, habitações; saudamos e admiramos o esforço heroico do exército e da sociedade ucraniana na defesa da sua pátria, incluindo no Donbass; e apresentamos as mais sentidas condolências por tantas vidas inocentes já perdidas.

Sabe Vossa Excelência, senhor Presidente da Ucrânia, que, enquanto Estado-membro da União Europeia e da NATO, Portugal se bate sempre pela preservação da unidade, essencial para a eficácia das nossas decisões, e que nunca obstaculiza, antes favorece os processos de decisão em curso que vão no sentido de apoiar cada vez mais o seu país. Prezamos as aspirações europeias da Ucrânia e temos defendido, não só o reforço da cooperação no quadro do Acordo de Associação existente, como o exame pronto e atento, por parte das instituições europeias, do pedido de candidatura apresentado pela Ucrânia.

Permita-me, entretanto, Presidente Zelenskyy, que individualize a dimensão da solidariedade e apoio humanitário, a que cala mais fundo na tradição humanista do povo português. No momento em que falo, já mais de trinta e um mil ucranianos em busca de proteção humanitária foram acolhidos em Portugal e duas mil e quinhentas crianças ucranianas frequentam as nossas escolas. Este acolhimento mobiliza todos os portugueses: o Governo e a administração central, as Regiões Autónomas, os municípios, as organizações não-governamentais, as várias confissões religiosas, as escolas, as empresas, os sindicatos e, sobretudo, as pessoas comuns. As portuguesas e os portugueses estão empenhados nesta vasta cadeia de solidariedade e o tratamento que dedicam aos ucranianos em necessidade de auxílio é aquele caraterístico da sua maneira de ser: tratam-nos como iguais, como irmãos da mesma humanidade.

Um pouco por todo o país, milhares e milhares de voluntários têm vindo a providenciar transporte, alojamento, emprego e integração, em estreita colaboração com a Embaixada da Ucrânia em Portugal, com as associações representativas da comunidade ucraniana e com os seus compatriotas já aqui estabelecidos. A senhora Embaixadora e vários representantes da comunidade dão-nos, aliás, o gosto de assistir a esta sessão e a todos desejo saudar.

 

Senhor Presidente da República da Ucrânia:

Ouvimos com toda a atenção e de espírito aberto as suas palavras e, em particular, os seus apelos. No ordenamento constitucional português, é ao Governo que compete conduzir a política externa; e basta notar o nível da representação governamental nesta sessão, liderada pelo Primeiro-Ministro, para se compreender que as propostas e pedidos de Vossa Excelência serão bem examinados. Na sua função de fiscalização, as senhoras e senhores Deputados acompanharão também, de perto, as decisões do Governo.

Mas posso desde já assegurar-lhe, Presidente Zelenskyy, que conta com Portugal. Conta com a nossa defesa intransigente das leis que regulam as relações internacionais e do direito à independência e soberania nacional. Conta com o nosso empenhamento, designadamente no quadro da União Europeia e da NATO, na defesa da liberdade em todos os territórios da Europa, no sancionamento cada vez mais intenso do agressor e no apoio necessário ao agredido, na guerra da Rússia contra a Ucrânia. Conta com a solidariedade e a ação efetiva do povo e das autoridades portuguesas, nomeadamente no campo humanitário e na proteção e integração das famílias de migrantes e refugiados. E conta com todo o apoio aos seus esforços, Senhor Presidente, para encontrar os caminhos de uma paz baseada na recusa da agressão e na solução política negociada para os diferendos.

Como Vossa Excelência bem sabe, Portugal é a justo título considerado como um dos países mais pacíficos do mundo. É o nosso modo humanista de conceber as relações entre os povos e as nações. Apreciamos as viagens, o comércio, a comunicação, a cooperação e as descobertas que vamos fazendo das culturas uns dos outros. Temos muito orgulho em dispormos, desde 2019, numa praça de Lisboa, do busto do vosso poeta nacional Taras Shevchenko. E recordamos com emoção o encontro, nos anos da Grande Guerra, no Norte de Portugal, entre Sonia Delaunay, nascida Sara Stern em Gradizhsk, na Ucrânia, e então em fuga da guerra, e o nosso pintor Amadeo Souza-Cardoso – o encontro de duas figuras maiores da revolução modernista na arte europeia.

Mas não somos ingénuos: para voltarmos à paz que permite e estimula o desenvolvimento dos laços culturais, precisamos de ganhar a paz. E, para ganhar a paz, precisamos de fazer frente à agressão e forçar o agressor a parar a agressão, envolvendo-se num processo negocial sério conducente à paz.

Nesse ponto estamos; por isso, em nome do Parlamento português, e na presença concordante do Presidente da República e do Primeiro-Ministro de Portugal, me permito dirigir-me a Vossa Excelência, senhor Presidente da Ucrânia, para lhe dizer que a luta do seu país pela liberdade é a luta da Europa toda pela liberdade. E, a essa luta pela liberdade, o Portugal democrático nunca faltou, não falta e não faltará.

Muito obrigado.