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Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na Sessão Solene de Boas Vindas ao Presidente da República Federativa do Brasil

 25 de abril de 2023



Senhor Presidente da República Portuguesa e senhor Presidente da República Federativa do Brasil

Senhor Primeiro-Ministro e demais membros do Governo,

Autoridades Civis e Militares,

Senhoras e senhores Deputados,

Ilustres Convidados,

Muito obrigado pela vossa presença, que engrandece esta sessão solene de boas-vindas.

 

Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

Quis Vossa Excelência incluir Portugal no roteiro dos primeiros contactos internacionais que realizou, logo que eleito. Honrou o Presidente da República Portuguesa com um lugar e carinho especial, na sua tomada de posse. Aceitou retomar de imediato as cimeiras entre os nossos países; os resultados da que agora se realizou mostram bem o acerto de tal decisão. E prontamente correspondeu ao convite para dar à sua deslocação a Lisboa a natureza e alcance de uma visita de Estado, a primeira que realiza à Europa.

Em nome da Assembleia da República, agradeço todos estes gestos de atenção fraterna, neles incluindo a forma calorosa como o Congresso brasileiro recebeu, em 2022, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que pude então acompanhar; e saúdo a intensidade do relacionamento entre as autoridades das duas nações, o qual faz novamente jus à proximidade e intimidade do relacionamento entre os dois povos.

A personalidade que os brasileiros escolhem como Presidente é sempre bem-vinda no Parlamento português, que se orgulha de já ter recebido em sessão solene quatro Presidentes brasileiros. Mas a si, Presidente Lula da Silva, é a segunda vez que recebemos, e isso aumenta o regozijo: porque sabemos a amizade que dedica a Portugal; porque, consigo, Brasília volta a abrir-se ao mundo; porque em si reconhecemos o líder cujas políticas sociais contribuíram decisivamente para a redução da pobreza e das desigualdades no Brasil; porque em si vemos o estadista que se apresentou e venceu eleições livres e que, depois, quando alguns tentaram invadir e derrubar as instituições democráticas, soube defendê-las sem hesitação.   

O encontro de agendas faz com que esta sessão solene de boas-vindas ocorra numa data muito importante para Portugal, a data da celebração da revolução democrática, o 25 de Abril. O dia em que nas ruas e no peito de muitos portugueses, o cravo vermelho simboliza a nossa liberdade e a forma pacífica como a alcançamos. Também esta revolução democrática e pacífica une os dois países.

Aliás, poucos compreenderam e cantaram melhor o 25 de Abril do que Chico Buarque de Holanda, galardoado em 2019 com o Prémio Camões – o prémio que, depois de superados os obstáculos colocados pelo sectarismo preconceituoso, pôde enfim, ontem mesmo, receber.

A transição portuguesa dos anos 70 viria a inspirar a transição brasileira dos anos 80. Desde então, as duas democracias vêm aprofundando o comum alinhamento em torno da liberdade e do pluralismo político, dos direitos humanos, do Estado democrático de direito e com forte componente social, da separação de poderes, da promoção do desenvolvimento inclusivo e da vinculação à igualdade e não discriminação. Somos, pois, os dois países, irmãos pela história e irmãos pela liberdade democrática.

 

Senhor Presidente Lula da Silva:

O traço de união mais firme está nas muitas centenas de milhares de portugueses que residem no Brasil e de brasileiros que residem em Portugal, nos inúmeros brasileiros de ascendência portuguesa e nos cada vez mais frequentes portugueses de origem brasileira, nas famílias, nos bairros, nas instituições luso-brasileiras. Está nas pessoas que dão vida e presente à história partilhada, que a concretizam no quotidiano e projetam no futuro. Aos portugueses, o Brasil ensinou que a língua é coisa viva, as palavras se dizendo com vários acentos e sabores; que o mundo exibe muitas cores e paladares; que as cidades podem ser pontuadas com linhas curvas; que é vasto o horizonte e que o arrojo compensa. As universidades portuguesas enriquecem-se com os seus estudantes brasileiros; as empresas portuguesas têm no Brasil mercados e investimentos; cresce o fluxo de pessoas a todos os títulos e por todas as razões, seja entre academias, seja em negócios, seja no turismo; e a cooperação bilateral tem criado excelentes oportunidades de desenvolvimento mutuamente benéfico, e faz-se em tantas áreas, da aeronáutica às energias renováveis, ou nas artes, na arquitetura e no direito.

Tudo isso hoje celebramos. Por ocasião da visita de Estado do Presidente do Brasil, e na sua presença, o Parlamento português reafirma a íntima fraternidade que nos une a essa República dos Sonhos cantada por Nélida Piñon, não por acaso filha de imigrantes, essa pátria brasileira onde tantos portugueses realizaram, realizam ou projetam o seu destino.

Mas a Assembleia da República também incentiva os dois Executivos a trabalharem mais e melhor na cena internacional. O mundo que ambicionamos, um mundo seguro e sustentável, regulado pelo direito internacional que a todos vincula, um mundo multipolar onde cada nação tenha o seu  lugar, um mundo governado por instituições e agendas multilaterais, comprometidas com a paz, o desenvolvimento e os direitos humanos, um mundo cujos conflitos sejam contidos e arbitrados por um Conselho de Segurança a que a presença de novos membros permanentes, entre os quais o Brasil, imprima uma visão mais panorâmica e integrada: esse mundo precisa de Portugal e do Brasil.

E precisa agora mesmo, agora que decorre no Leste da Europa um conflito sangrento e dramático, cujos efeitos políticos e económicos são globais. Desde a primeira hora, e tal como o Brasil, Portugal condena a agressão da Rússia contra a Ucrânia. Condenando o agressor, solidarizamo-nos com o agredido, o povo ucraniano, vítima de massacres e destruições impiedosas e bárbaras. Apoiamos a Ucrânia na luta pela independência e integridade territorial. O cravo vermelho que hoje celebra a nossa liberdade simboliza também a liberdade por que se batem, hoje, os ucranianos.

Acreditamos que é urgentíssimo trocar as armas pelas conversações político-diplomáticas, que ponham fim ao conflito e salvaguardem, elas sim, os interesses legítimos em presença. Precisamos, na verdade, de falar mais de negociações e menos de batalhas. A condição é simples e depende unicamente da Federação Russa: é o agressor cessar as hostilidades e retirar-se do país soberano que invadiu.

Como membro da União Europeia e da Aliança Atlântica, Portugal participa das ações em defesa do direito internacional, da segurança europeia e da independência ucraniana. Fá-lo na plena consciência de que esta não é uma questão regional, mas global; e que por isso importa falar sobre ela com todos os países relevantes, do Norte ou do Sul, do Ocidente ou do Oriente. É, portanto, muito útil que seja tema no diálogo entre Portugal e o Brasil; e que, prosseguindo, as suas próprias políticas externas, elas possam convergir a favor da paz.

A Europa necessita do Brasil. E o Brasil conta com o apoio do Parlamento português no reforço dos laços políticos, económicos e comerciais com a União Europeia. A conclusão do Acordo com o Mercosul nem perdeu relevância, nem oportunidade. Posso garantir o empenho da Assembleia da República, no âmbito das suas competências, para esse fim. O Acordo entre a União Europeia e o Mercosul tem um alcance económico, mas também geopolítico, e como tal deve ser considerado.

Uma palavra para a ação em prol da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esta já não é hoje, apenas, uma organização intergovernamental de concertação político-diplomática e de cooperação, baseada na língua comum. É também um espaço de circulação de pessoas; e quer desenvolver um pilar económico, definindo uma nova escala para as trocas e os investimentos. Com o seu regresso ao Palácio do Planalto, Presidente Lula, uma nova oportunidade se abre para que o Brasil participe com os demais membros da CPLP, no esforço de tornar cada vez mais viva e mais forte a nossa Comunidade.

 

Senhores Presidentes, senhor Primeiro-Ministro, senhoras e senhores Deputados, senhores convidados:

O elo mais fundo entre Portugal e o Brasil é a língua comum. A língua e as literaturas que nela se exprimem e que constantemente a recriam. Assim nos oferecendo um modo particular de nos entendermos, de nos situarmos e compreendermos o mundo. Inquietos, imaginativos, desassossegados, como tão bem nos fazem ver dois escritores universais, que cultivaram como poucos a nossa língua: Fernando Pessoa e Clarice Lispector.

Pessoa e Lispector foram, ao mesmo tempo, criadores e personagens de vários mundos: das circunstâncias em que se fizeram, ela brasileira nascida na Ucrânia, ele lisboeta parcialmente formado na África do Sul; e dos tempos outros que souberam forjar, com seu génio, solidão e ousadia.   

Pois quero pedir de empréstimo, a Clarice Lispector, o título da coletânea de crónicas que acaba de ser publicada em Lisboa: A Descoberta do Mundo.

Preciso desse título. Porque o mundo existe para ser descoberto. Para nos descobrirmos descobrindo-o. Claro que, como tão bem mostrou a poesia de Alberto Caeiro, o mundo existe sempre antes de nós o descobrirmos; já está lá antes de o vermos. Mas é o vê-lo que nos faz ser; descobrindo-o é que nós descobrimos o nosso ser. Descobrir o mundo, descobrir a pluralidade dos universos que existem; e descobrir os novos mundos que vamos todos, em maior ou menor harmonia, construindo.

Caro Presidente Lula da Silva: gostamos, nós os portugueses, de pensar que, europeus, vivemos sempre projetados para a imensidão do mundo, para a permanente descoberta do mundo.

Ora, a descoberta portuguesa do mundo começa no largo Atlântico que liga três continentes e em tempos atraiu uma Jangada de Pedra. Começa na outra margem do Atlântico. Começa no Brasil.