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22.06.2021 |  Presidente da Assembleia da República assinala 20 Anos da Lei da Liberdade Religiosa

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, assinala os 20 Anos da Lei da Liberdade Religiosa através de Mensagem endereçada à Conferência 20 Anos da Lei da Liberdade Religiosa, promovida pela Comissão da Liberdade Religiosa no Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso.

É o seguinte o teor da Mensagem do Presidente Eduardo Ferro Rodrigues:

«Celebra-se hoje, dia 22 de junho, o vigésimo aniversário da publicação da Lei da Liberdade Religiosa, a Lei n.º 16/2001, que veio substituir a lei de 1971, concebida no quadro constitucional antidemocrático do regime derrubado em 25 de Abril.

Enquanto Presidente da Assembleia da República, que é a Casa da Democracia, representativa de todos os portugueses – e aqui gostaria de sublinhar «de todos os portugueses», independentemente da sua religião –, mas também enquanto cidadão que sempre se bateu pela plena concretização dos direitos fundamentais de todos, apraz-me participar em eventos comemorativos dos marcos constitutivos da nossa Democracia, neste caso, de um ato legislativo basilar.

Ao ser convidado para me associar a esta efeméride, não podia deixar de aceitar, ainda que o faça através desta mensagem gravada, na impossibilidade de estar presente na Cerimónia Comemorativa que hoje tem lugar na Fundação Calouste Gulbenkian.

A importância da aprovação da Lei n.º 16/2001, que teve como um dos seus principiais impulsionadores o atual Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, Dr. José Vera Jardim, resulta, sobretudo, da conformação dos princípios da liberdade religiosa e da separação entre o Estado e as igrejas e outras comunidades religiosas aos princípios consagrados na Constituição, recolocando-os no seio de uma democracia liberal e republicana.

A consciência do religioso insere-se no mais profundo da nossa condição humana, mesmo quando tal se manifesta pela negação da existência de uma entidade divina ou de um ser superior.

Aceitar ou rejeitar o fenómeno religioso, aderir ou recusar a prática religiosa é uma decisão que deve ser deixada ao arbítrio de cada um e tomada em perfeita liberdade individual. Não é matéria sobre a qual o Estado se deva pronunciar ou na qual deva interferir, exigindo ou impondo a sua assunção como condição de cidadania ou de exercício de funções na administração.

A Constituição consagra, no artigo 41.º, a liberdade religiosa e de culto como direitos fundamentais invioláveis, associados à liberdade de consciência.

São significativas a conexão e a sequência expressa neste artigo: liberdade de consciência, de religião e de culto.

A liberdade de culto pressupõe a liberdade religiosa, e esta não existe sem liberdade de consciência.

Não havendo Democracia plena sem liberdade de consciência, não a há, consequentemente, sem liberdade religiosa.

A liberdade religiosa é, pois, um requisito essencial da Democracia, reflexo de uma sociedade plural e tolerante.

Não por acaso, os piores infratores da liberdade religiosa encontram-se entre os países não democráticos, infelizmente também os mais populosos.

Segundo o relatório "Liberdade Religiosa no Mundo" de 2021, da Ajuda à Igreja Que Sofre, a liberdade religiosa é violada em quase um terço dos países do mundo (31,6%), onde vivem dois terços da população mundial. Num total de 196 países, 62 enfrentam violações muito graves da liberdade religiosa.

Inscrita na parte da Constituição dedicada aos direitos, liberdade e garantias pessoais, valem para a liberdade religiosa todas as regras constitucionais sobre direitos fundamentais em geral e sobre direitos, liberdades e garantias em especial.

Ao Estado cabe garantir a formação e o desenvolvimento livre das consciências, em respeito pela liberdade de todas as pessoas, bem como assegurar o respeito pela liberdade dos que têm e dos que não têm religião.

Contraponto e garante dessa liberdade é o princípio da separação entre o Estado e as igrejas ou comunidades religiosas, inerente à dimensão republicana do Estado Português, tendo como corolários a neutralidade confessional do Estado e a autodeterminação e a auto-organização das Igrejas e comunidades religiosas em todas as suas vertentes.

No ano transato, entre 18 de março e 2 de maio, a liberdade de culto, na sua dimensão coletiva, foi afetada com a suspensão parcial do seu exercício determinada pelos decretos do Presidente da República, devidamente autorizados pela Assembleia da República, que declararam o estado de emergência.

Nos termos desses decretos, e como medidas de prevenção e combate à epidemia, permitiu-se às autoridades públicas competentes a imposição das restrições necessárias para reduzir o risco de contágio, incluindo a limitação ou proibição de realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração de pessoas.

É, no entanto, de toda a justiça assinalar o modo verdadeiramente exemplar como as diferentes igrejas e comunidades religiosas atuaram perante a pandemia, ao tomarem, por motu proprio, medidas de mitigação da propagação do coronavírus, abdicando da realização de celebrações relevantes ou suspendendo eventos religiosos, muitas vezes antecipando-se às medidas decretadas pelo Governo.

Hoje, com o desenvolvimento das vacinas, num feito notável da ciência, e a sua distribuição geral, é possível antever um fim para este período de exceção. Mas não podemos baixar a guarda e, até que seja conseguida a imunidade de grupo ou a doença se torne endémica, devemos manter as medidas de prevenção que têm vindo a ser adotadas.

O modo responsável como as igrejas e comunidades religiosas atuaram, quer na adoção de medidas sanitárias, quer no apoio assistencial aos mais desfavorecidos, teve ainda um outro efeito salutar que deve ser sinalizado.

Todos temos consciência da complexidade da crise que vivemos, com repercussões sociais gravíssimas.

É nestas ocasiões, em que os receios da população as tornam mais suscetíveis a manipulações, que a instrumentalização da religião se pode tornar perigosamente eficaz, ao explorar os sentimentos que apelam ao mais profundo que há em cada um.

Por todo o mundo, mesmo em países de sólida tradição pluralista, em que a liberdade religiosa se encontra consagrada, assistiu-se a essa instrumentalização, como fator fraturante, para ganhos políticos.

Felizmente, o discernimento e a sensatez demonstrados pelos líderes religiosos das igrejas e comunidades reconhecidas em Portugal têm sido um forte contrapeso, e agente dissuasor, das tentativas esboçadas nesse sentido.

Estou certo – e aqui creio que falo por todos – que o diálogo inter-religioso, mas também o diálogo, em mútuo respeito, com o Governo e as diferentes forças políticas existentes (em especial aquelas com representação parlamentar), é o meio mais eficaz para evitar tensões ou conflitos disruptores da nossa sociedade.

Ao terminar, neste dia que é também o Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-Religioso, instituído por Resolução da Assembleia da República em 2019, quero saudar o Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, Dr. José Vera Jardim, e os restantes membros, em reconhecimento pelo trabalho admirável que têm efetuado em prol deste propósito.

Reconhecimento esse que deve ser estendido aos anteriores membros da Comissão, alguns infelizmente já desaparecidos, nomeadamente aos anteriores Presidentes, Conselheiro José Menéres Pimentel e – permitam-me –, em particular, o Dr. Mário Soares.

A todos o meu agradecimento e desejo de continuação de bom trabalho.

Eduardo Ferro Rodrigues

Presidente da Assembleia da República»