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I​ntervenção do Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-​Branco, na Sessão Solene Comemorativa do 50.º Aniversário do 25 de Abril de 1974


Senhor Presidente da República,

Senhor Primeiro‑Ministro e demais Membros do Governo,

Senhoras e Senhores. Presidentes dos Tribunais Superiores,

Senhores Presidentes, António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva,

Autoridades Civis, Militares e Religiosas,

Senhora e Senhores Presidentes João Bosco Mota Amaral, Jaime Gama, Assunção Esteves e Eduardo Ferro Rodrigues,

Senhoras e Senhores Embaixadores,

Ilustres Convidadas e Convidados,

Senhoras e Senhores Deputados,​

Caras e Caros Concidadãos,

 

Uma primeira palavra para os capitães de abril. Uma palavra que partilho com todas as mulheres e homens que saíram à rua naquele dia. 

Temos o protocolo e o ritual do 25 de Abril. Discutimos muito as causas, as consequências, a teoria, a ideologia e a política do 25 de Abril. Alimentamos debates, e guerras culturais sobre abril e esquecemo-nos do mais simples, do mais elementar: se o 25 de Abril tivesse falhado, o regime teria sobrevivido. Pior, mas teria sobrevivido. 

Os portugueses teriam sobrevivido. Pior. Muito pior. Mas teriam sobrevivido. 

Este país teria um amanhã. Pior, certamente pior.

​Se o 25 de Abril tivesse falhado os únicos que não teriam um amanhã seriam estes homens. E sabiam-no. Todos eles o sabiam. E mesmo assim fizeram-no. E a maior parte deles voltou a fazê-lo no dia 25 de novembro! 

Era mais fácil não sair à rua, ter um pretexto ou inventar uma desculpa. Era mais fácil optar pela neutralidade ou permanecer a meio do caminho. 

Nenhum deles seria julgado por ficar. Todos seriam julgados por fazer. 

Esta é a definição de coragem. E coragem física. Concreta. Real.  Porque os discursos, como este, fazem-se de palavras e de simpáticas intenções. Mas a história faz-se de coragem e ações.    

Este é o princípio que me leva à segunda palavra desta minha intervenção: um dos grandes mitos do 25 de Abril é o slogan, tantas vezes repetido, de um dia sem sangue. 

Senhoras e senhores deputados, há, pelo menos, quatro famílias que discordam desta ideia. 

Naquele dia houve gente que estava no sítio errado à hora errada, gente que saiu de casa para apoiar a revolução, gente que já não voltou a casa. Foram as últimas vítimas da polícia política, do regime e é tempo de dizer os seus nomes nesta sala: 

Fernando Giesteira, Fernando Barreiros dos Reis, João Arruda e José Barneto.

E não basta dizer os seus nomes. É preciso expressar a nossa gratidão.

Esta semana tomei a iniciativa de convidar as famílias para, pela primeira vez, estarem nesta sessão solene. 

O convite foi para que vissem com os próprios olhos o que o sacrifício dos seus conquistou. A ver-nos e a ouvir-nos. 

E aqui está, a família de Fernando Barreiros dos Reis. 

Peço, por isso, que esta camara se una numa merecida salva de palmas… 


Senhoras e senhores deputados, 

Liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de associação, democracia, saúde, educação, justiça, habitação, separação de poderes, desenvolvimento, repetindo o lugar-comum: conquistas de abril! 

Princípios consagrados como direitos concretos. Direitos até constitucionais. Mas há outras princípios que abril nos trouxe e raramente valorizamos. 

Princípios que devem, também, ser considerados como direitos e que o poder político até tem dificuldade em gerir: o direito (e o dever) de exigir mais de quem nos governa. O direito (e o dever) de concretizarmos os nossos sonhos individuais. Nada disso existia no dia 24. 

Alguns podem dizer que “abril está por cumprir".  Direi que, cinco décadas depois, abril mudou. Só podia mudar. O país quer mais, exige mais. Mais saúde, mais educação, mais justiça, mais habitação, mais desenvolvimento. 

E o país tem razão. Continuamos a querer concretizar os nossos sonhos. Temos é mais sonhos. Temos é sonhos maiores. 

Temos a certeza, vivida, de que só há verdadeira liberdade com autonomia, independência financeira. Enquanto país, enquanto indivíduos.

​Esta exigência permanente, evolutiva e mutável dos portugueses é a pesada herança que os capitães de abril deixaram a esta câmara. Mais concretamente a todos nós. Aos políticos. 

É essa “pesada" herança que explica tantos e tantos portugueses desiludidos, tantos e tantos portugueses zangados, tanta e tanta polarização, tanta radicalização e tanto populismo. 

Devemos culpar os portugueses por isso? Devemos culpá-los pelas suas escolhas nas urnas? 

Tenho genuínas dúvidas que a resposta a isto seja mais ideologia, mais guerras culturais, mais partidarização, mais tática política, mais jogos parlamentares. 

A desilusão de uns resolve-se com boa governação! A polarização de outros resolve-se com soluções! 

Com ações concretas e não com palavras e discursos mais ou menos inflamados. 

E notem a expressão que propositadamente utilizei. Resolver. Não combater. 

A casa da democracia não é um castelo, fechado em si mesmo, protegido atrás de grades que por conforto ou segurança simbolicamente fomos deixando ficar. 

A casa da democracia não pode servir para defender o regime. Isso era a outra. A dita Assembleia Nacional. E muito menos a casa da democracia serve para defender a democracia. Serve sim para construir a democracia. Todos os dias.

Com mais políticas que política. Com mais coragem que jogos ou preocupações com a popularidade.

E a diferença entre defender e construir é a diferença entre 24 e 25 de Abril.

 

Senhoras e senhores deputados, 

O primeiro a perceber isto mesmo terá sido Mário Soares. Soares, essa personalidade quase tão polémica como marcante, foi a personificação maior de um espírito de bom senso e sabedoria que hoje, em política, chamamos de moderação. 

O homem que combateu o PCP nas ruas foi o mesmo que não permitiu a sua ilegalização. O homem que amnistiou Otelo foi o mesmo que trouxe Spínola para junto de si. 

O que alguns podem chamar de contradições “ideológicas" e “políticas" ele chamaria de reconciliação. De respeito pela diferença de pensamento, pela diversidade das ideias. 

Não por uma casta noção de tolerância, mas pela certeza de que o país só cresce e se desenvolve com a diferença e pela diferença. 

A certeza de que a diferença exige mais de nós. Que a diferença soma e acrescenta. Isso é sabedoria. É bom senso. 

Como português, cidadão e eleitor só posso esperar o mesmo para esta casa: 

O respeito maior pela diferença, de que a composição desta assembleia é, hoje, exemplo, fruto da afirmação livre da vontade dos portugueses. 

Diferença que todas as semanas exercitamos com a exigência de elevação que distingue o ser democrata! 

Sim senhores deputados. 

Eu ainda sou do tempo em que tínhamos parlamentares aparentemente muito educados, formalmente muito respeitadores da dignidade das instituições. 

Que pensavam todos da mesma forma, que concordavam uns com os outros e que diziam as mesmas coisas. 

Esta assembleia já teve isso mesmo.

​E depois fez-se o 25 de Abril.

Viva a liberdade

Viva a diferença

Viva o 25 de Abril

DISSE

José Pedro Aguiar-Branco
Presidente da Assembleia da República