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Se a sucessão da coroa cair em fêmea (1821)

No dia 10 de dezembro de 1821, as Cortes Constituintes debatem o artigo 121.º do projeto de Constituição, relativo à sucessão do trono no caso de recair sobre uma mulher:

“Se a sucessão cair em fêmea, não terá seu marido parte no governo, nem chamará Rei, senão depois que tiver a Rainha um filho ou filha.”

O Deputado Maldonado defende que, em primeiro lugar, deve ser discutido se a sucessora do trono pode casar sem o consentimento das Cortes:

Pormenor de estudo para a tela Cortes Constituintes de 1821, de Veloso Salgado.

Pormenor de estudo para a tela Cortes Constituintes de 1821, de Veloso Salgado.

“Julgo que esta questão é importante de se resolver (…) por quanto se a sucessora do trono precisar do consentimento das Cortes para haver de casar, então parece que se lhe dá menos do que se lhe deve dar e se acaso não precisar daquele consentimento parece que se lhe dá mais. Digo, que parece que se lhe dá mais neste caso, porque se lhe dá entrada no governo unicamente por um favor caprichoso, por um favor da natureza; e se lhe dá muito menos, porque se acaso o esposo que escolher a sucessora da coroa não tem recebido da natureza este favor caprichoso, está excluído daquele benefício."

Alves do Rio apresenta uma emenda ao artigo: “Se a sucessão da coroa cair em fêmea, não poderá casar senão com português precedendo aprovação das Cortes.”

Está então lançado o debate sobre a possibilidade de um estrangeiro ocupar o trono de Portugal.

Castelo Branco entende que essa decisão deve ser deixada ao critério das Cortes, que, saberão avaliar “as qualidades precisas para ser marido da sucessora do trono português”, independentemente de ser estrangeiro.

Já o Deputado Sarmento considera que o casamento com um estrangeiro põe em causa a independência e a liberdade do país, constituindo uma ameaça aos costumes e enfraquecendo o “caráter nacional”.

Castelo Branco responde, referindo que o marido da Rainha não pode ter parte no governo, pelo que não se colocam os problemas levantados. A existirem, o Deputado argumenta que também se deveriam proibir os reis de casar com estrangeiras.

O Deputado Macedo contra-argumenta dizendo que, apesar de não poder ter parte no Governo, o príncipe continuará a exercer a sua influência, uma influência muito diferente da que poderia exercer uma princesa estrangeira. Alves do Rio acrescenta ainda que “ainda que o marido da Rainha não tenha parte no governo, é impossível que deixe de causar ciúme aos Portugueses”.

O Deputado Moura não receia essa influência, salientando que o marido da Rainha “nunca se chamará Rei, nem o será, e que a Rainha terá o inteiro exercício do poder executivo, pois o Parlamento detém o poder legislativo, competindo ao Rei executar as leis “coartado (…) por vários modos e estabelecendo diversas garantias”:

“Que perigo há em que um Príncipe estrangeiro venha sentar-se num trono, a que não sobe para governar? Diz-se que os Príncipes farão os costumes da sua nação: há coisa mais fútil que esta e porque as Princesas não hão de trazer do mesmo modo os costumes? Quem terá mais influência: o Rei, se for estrangeiro, ou a Rainha? Consulte cada qual o seu coração e veja se as mulheres têm menos influência nos homens, que os homens nas mulheres: pelo menos a influência será igual. “


Pormenor de estudo para a tela Cortes Constituintes de 1821, de Veloso Salgado.

O Deputado Sarmento menospreza a influência das mulheres nos costumes nacionais, pois apenas poderiam “introduzir a moda de algumas cabeleiras de França” ou determinar “a maneira de se apresentarem as damas na corte com donaires mais compridos ou mais curtos”.

Anes de Carvalho é contrário ao casamento com estrangeiro, utilizando também o argumento da influência que o marido da Rainha pode ter. Defende ainda que “os homens influem mais as mulheres, que as mulheres os homens, porque em razão de sua sensibilidade, e de sua fraqueza, de donde resultam seus vícios, e suas virtudes, elas são mais dominadas pelos homens, que os homens por elas; e daqui vem, que as leis de todas as nações sempre sujeitaram as mulheres aos homens.

Para o Deputado Varela, o maior perigo está no caso em que “o Príncipe não tenha direito algum a exercer a autoridade do governo”:

“Tal Príncipe não pode ser um herói; um Príncipe que se submete a ir à esquerda de uma, mulher, a não ter caráter nenhum representativo, não pode ser um herói. E que viria fazer a Portugal? Viria a fazer raça? Para isto em Portugal há muitos capazes de exercitar os trabalhos de Hércules; e não resultando a este Príncipe estrangeiro mais glória do que a de vir ter filhos a Portugal, seria indecoroso para o reino, e até para ele mesmo tal casamento.”

Outros Deputados não concordam com a emenda apresentada. Correia de Seabra diz mesmo que o casamento com um estrangeiro pode ser útil e conveniente, estando sempre salvaguardada a sua aprovação. Utiliza também o argumento de que, em coerência, deveria ser proibido o casamento dos príncipes com estrangeiras, “porque a influência das mulheres não é de tão pouca consideração como se tem suposto”.

Apesar das vozes contrárias, o artigo viria a ser aprovado com as alterações apresentadas, constando como Artigo 145.º da Constituição de 1822:

Se a sucessão da Coroa cair em fêmea, não poderá esta casar senão com português, precedendo aprovação das Cortes. O marido não terá parte no Governo e somente se chamará rei depois que tiver da Rainha filho ou filha.”