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Hoje é Dia da Liberdade Religiosa


Augusto Santos Silva

Em 2019, a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, a instituição de 22 de junho como o Dia da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso. Em 22 de junho de 2001 havia sido publicada a Lei da Liberdade Religiosa. (Havia uma, de 1971, que falhava evidentemente critérios básicos de liberdade e pluralismo).

Andou bem o Parlamento ao perpetuar de tal forma essa lei estruturante do regime democrático. É que há um conjunto próprio de aspetos fundamentais que caracterizam a maneira como a nossa Constituição, leis e instituições se ocupam da liberdade religiosa.

O primeiro é que ela é um direito pessoal fundamental. A adesão a um credo e estrutura religiosa não é uma consequência do passado, da família ou do entorno social, que prevaleceria sobre os indivíduos, mas uma liberdade essencial de cada um deles. Uma liberdade bem entendida: a liberdade de consciência, ou seja, de pensar, sentir e julgar por si próprio, agindo em conformidade; logo, a liberdade de crença, que é a de enunciar o que se pensa e sente como um saber e uma atitude religiosa específica; e, logo, a liberdade de culto, que é a de se juntar com outros e de praticar sem receio, coação ou limitação, os atos correspondentes a tal crença.

Esta liberdade não se circunscreve à escolha entre as religiões. É, crucialmente, a liberdade de decidir ter ou não ter religião, ter e deixar de ter religião, mudar de religião, opinar sobre o fenómeno e as fés religiosas, examinar criticamente os seus fundamentos e pretensões, sem ser impedido ou penalizado por isso. E, não menos importante, é a liberdade de cada um e cada uma, nas decisões que lhe digam respeito, não ter de se conformar, total ou parcialmente, se o não quiser, com os preceitos da sua religião.

Em terceiro lugar, também aqui liberdade quer dizer pluralismo – como aceitação e valorização da diversidade das consciências, das crenças e dos cultos – e igualdade entre as várias religiões, as quais dispõem do mesmo direito a existir, divulgar-se, agir e participar na sociedade, sem constrangimento ou discriminação.    

Do que decorre que o Estado, respeitando, garantindo e acarinhando a liberdade e pluralismo religioso, é estritamente não confessional. Não obedece a critérios ou injunções religiosas quando se organiza a si próprio e quando decide sobre as diferentes matérias de sua competência, incluindo as de natureza ou repercussão moral, educativa ou assistencial. Não se confunde com qualquer religião, ainda que ela seja largamente prevalecente entre a população.

Na conceção da nossa democracia, a laicidade do Estado é uma condição indispensável da liberdade e da igualdade religiosa. Distinta do laicismo, no que este advoga ou subentende o enclausuramento da religião na esfera privada, ou assume o propósito de cercear ou diminuir a influência social das igrejas e confissões. Pelo contrário, um dos legados principais de Mário Soares e tantos outros, incluindo vários bispos católicos, na transição democrática, foi terem evitado cuidadosamente qualquer nova questão religiosa, construindo uma relação que, do ponto de vista das instituições civis democráticas, foi sempre de extremo respeito pelas convicções e estruturas religiosas. E, se percalços houve, em pontos delicados como a legislação sobre a família ou a educação religiosa em estabelecimentos públicos, eles foram sendo resolvidos com temperança e sageza.

Portugal deve orgulhar-se de ser um dos países do mundo com maior liberdade religiosa. E de contar com o contributo incalculável das confissões, em particular da Igreja Católica, em áreas fundamentais para a coesão nacional – designadamente na solidariedade social, no apoio às famílias, no cuidado pelos mais velhos. A sua força económica, cultural e espiritual também é justamente considerada. Por isso, o Estado laico, sem deixar de sê-lo, valoriza a presença das religiões no espaço público, integra-as no grande quadro democrático, coopera com todas e, sem ferir o pluralismo e a igualdade, reconhece o peso próprio da Igreja socialmente mais representativa.

Devemos à Comissão da Liberdade Religiosa, criada pela lei de 2001, aos seus membros e presidentes – Menéres Pimentel, Mário Soares e o incumbente José Vera Jardim – um papel relevantíssimo na consolidação deste que julgo ser um dos lados mais solares da democracia portuguesa.

Julgo, não – muitos julgam. E prova disso é o protagonismo crescente de Portugal nas atividades internacionais de diálogo inter-religioso. Que Jorge Sampaio tanto estimulou enquanto primeiro representante para a Aliança das Civilizações. Que o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, estabelecido em Lisboa, há vários anos promove. Que a escolha da nossa capital para a sede mundial do Imamat Ismaeli tão bem simbolizou. E que tem agora uma nova valência, com a instalação em curso, entre nós, do KAICIID (Centro Rei Abdullah para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural, que junta, além de Portugal, a Arábia Saudita, a Áustria, a Espanha e o Vaticano).

Liberdade de religião, igualdade entre religiões, diálogo das religiões entre si e com toda a sociedade, em clima de tolerância e respeito mútuo: não são esses bons motivos para celebrar este dia? 


22 de junho de 2022 | Diário de Notícias