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2022.03.23 | Abertura Solene das Comemorações do 50.º Aniversário do 25 de Abril de 1974 | Páteo da Galé, Lisboa

Estou aqui com muita honra e alegria como Presidente da Assembleia da República a assinalar um dia importante para Portugal.

Uma data que já tardava. A data em que a Democracia ultrapassa a Ditadura. À meia-noite estaremos no dia +1.

Em 74, tinha 25 anos; agora tenho 72. Quem diz que a Ditadura durou pouco esquece que os jovens de Abril são agora os avós de 2022. E só agora podemos comemorar este dia.

A Ditadura durou muito tempo. Demasiado tempo. Tanto como a minha, a nossa liberdade. A tortura do sono e da estátua, os assassinatos encomendados, a censura aos órgãos de comunicação social, o condicionamento da informação e da cultura, a divulgação de verdades únicas que eram mentiras, demorou demasiado tempo. As guerras coloniais, os Tribunais da Ditadura demoraram demasiado tempo.

Apercebemo-nos do tempo desmesurado, impiedoso e mesquinho da Ditadura de 48 anos.

Hoje, esta guerra bárbara na Europa faz-nos relembrar o que é a manipulação da verdade enquanto se destrói e se mata noutro país. Como se prende e se castiga num país, enquanto se massacra noutro país.

 

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Celebrar Abril e a Democracia é um motivo de grande regozijo, sendo, por isso, uma grande honra estar hoje aqui nesta cerimónia que dá início às Comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril.

A partir da meia-noite, Portugal e os portugueses viverão mais tempo em Democracia do que em Ditadura.

A Democracia portuguesa suplanta, por fim, a duração da Ditadura.

É o dia simbólico em que, do ponto de vista da aritmética cronológica, deixamos para trás um histórico défice, ajustando contas com os dias do passado ditatorial.

A evocação que hoje se inaugura coincide com uma outra efeméride que partilha com esta a celebração da democracia, da liberdade e da emancipação dos cidadãos.

Completa amanhã 60 anos a crise académica de 1962. A revolta de milhares de estudantes contra o regime de Salazar, que foi duramente reprimida pela Ditadura.

Esta revolta deixou um lastro de contestação estudantil ao regime ditatorial, que ecoaria até à véspera do 25 de Abril, continuando, inclusive, no imaginário de referência estudantil das gerações seguintes.

 

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Em breve iremos comemorar o dia em que o Movimento das Forças Armadas Portuguesas soube interpretar o interesse nacional, derrubando a Ditadura e abrindo-nos as portas para o futuro.

O dia que, na feliz expressão de Eduardo Lourenço, «nasceu acompanhado da vontade de inventar um outro destino para Portugal».

O dia em que começámos a inventar um País melhor.

E muito foi o que conseguimos inventar, reinventar, criar e construir de forma duradoura e sustentada.

Atrevemo-nos a inventar um futuro em liberdade e em democracia, uma sociedade mais solidária, cada vez mais justa e mais coesa.

Ousámos inventar um País mais aberto à Europa e ao Mundo.

E, passados quase 48 anos, ninguém poderá negar o quanto evoluímos e as conquistas que alcançámos.

Inventámos a possibilidade de podermos, hoje, continuar a inventar-nos, de podermos sonhar, e tornar realidade, não todos, mas muitos desses sonhos.

 

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O momento que hoje se assinala incita-nos a uma reflexão sobre o passado, sobre o presente e, também, sobre o futuro.

Esse passado contido nas memórias do que aconteceu, das gerações que sofreram as privações da liberdade e da pobreza mais profunda, dos que resistiram, lutaram e morreram, e a quem tanto devemos.

Um passado que não queremos, e não podemos, repetir.

Sobre o presente, que, sem deixar de assumir erros e contradições inevitáveis em qualquer empreendimento desta envergadura, confirma que no período democrático Portugal atingiu níveis de desenvolvimento importantes, conforme espelhado em tantos indicadores fundamentais, que vão da educação à saúde, passando pelos direitos das mulheres e dos trabalhadores; até às condições de saneamento e infraestruturas.

Volvidos quase 50 anos da Revolução de Abril, é possível constatar o caminho que foi feito, e, como já tive oportunidade de referir numa outra ocasião, «com muitos direitos políticos, económicos, sociais e culturais a passaram do texto constitucional para a vida quotidiana dos portugueses».

Estes progressos também são visíveis nos níveis de desigualdade em Portugal, que estavam, antes da pandemia, no registo mais baixo de sempre.

O caminho positivo que fizemos neste combate às desigualdades, essencial para cumprimos o nosso potencial de crescimento, não pode, no entanto, contentar-nos, devendo antes estimular-nos a fazer mais e melhor, pois ainda somos um dos países com mais desigualdade na União Europeia.

Finalmente, uma reflexão sobre o futuro. Um futuro de esperança numa vida melhor para todos, no muito que há ainda por cumprir, numa democracia com mais qualidade.

Um futuro que encare os desafios estratégicos de médio e longo prazo, mas nem por isso menos urgentes (com o combate às alterações climáticas num lugar cimeiro), e para os quais é preciso negociar consensos sólidos e duradouros.

Um futuro que deve convocar-nos a todos e, em particular, os mais jovens.

Esta juventude que tem, hoje, os desafios próprios do tempo em que vive, mas cuja voz nem sempre é suficientemente audível no espaço público.

Não porque os jovens de hoje sejam politicamente menos participativos ou mais passivos do que as gerações anteriores.

Esta é uma ideia que, sendo frequentemente veiculada, corre o risco de parecer verosímil, mas que anda muito longe da realidade, como ainda recentemente mostrou um estudo promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian. Os jovens participam e interessam-se por política, tanto ou mais do que a restante população.

É uma participação menos institucional, de cariz mais cívico, que privilegia, por exemplo, a recolha de fundos para uma atividade social, cívica ou política, o boicote a certos produtos por razões políticas ou ambientais, manifestações, a assinatura de petições, ou a participação política nas redes sociais.

Neste tipo de participação, os jovens portugueses têm, aliás, contribuído para nos aproximarmos da média europeia.

Contudo, este perfil de participação política dos jovens deve merecer alguma reflexão.

Com efeito, muitos jovens parecem mostrar-se menos inclinados do que os seus pais e avós para a participação política mais convencional.

E esta participação mais convencional, ou institucional, dos jovens, orientada para o sistema partidário, é fundamental (logo à partida, nas eleições).

Precisamente para que as suas preocupações estejam mais presentes e sejam mais representadas na vida política nacional e na sua agenda, nomeadamente nos partidos, no Parlamento ou no Governo.

Isto representa um desafio para os tempos vindouros, em particular para os responsáveis políticos, interpelando-os, a meu ver, em dois planos essenciais:

- Através de um esforço criativo para se encontrarem formas de estimular esta participação convencional dos mais jovens;

- Através de uma maior sintonia dos representantes políticos e dos governantes com as preocupações dos mais jovens e as suas prioridades.

Nestes dois planos, urge imaginação, reflexão e ação, importando aprofundar as causas deste afastamento dos jovens relativamente à participação mais institucional e procurar inspiração nas propostas da sociedade civil, na academia ou nas experiências dos vários países que se deparam com os mesmos desafios. O futuro de Abril não se faz sem os jovens, cujo típico inconformismo, agora como então, é fundamental para a vida nacional.

 

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

As Comemorações do 50.º Aniversário do 25 de Abril iniciam-se num ambiente de grande incerteza mundial, com a pandemia de COVID-19 ainda por debelar definitivamente, e sob uma grave crise internacional, na sequência do ataque protagonizado pela Rússia à Ucrânia, em violação do direito internacional e dos mais elementares direitos deste povo.

Estes são eventos de uma magnitude tremenda, cujas consequências – políticas, sociais e económicos – sentiremos por muitos anos nas nossas sociedades.

Não adiro particularmente à ideia da crise virtuosa, vista sobretudo como oportunidade, embora também o possa ser. Antes de mais, estas crises configuram, para tantas pessoas, momentos dificílimos de luta pela sobrevivência.

Não obstante, elas podem trazer ao de cima o melhor de nós enquanto seres políticos e sociais. E têm sido muitos os exemplos de solidariedade a que assistimos na resposta a estas crises, tanto ao nível individual, como coletivo e institucional.

Da entrega incondicional dos profissionais de saúde na crise pandémica ao pronto e generoso apoio aos refugiados da Ucrânia, são incontáveis os casos de entreajuda que nos devem inspirar a fazer melhor no futuro.

E escolho enfatizar isto porque considero que a solidariedade é um dos projetos mais ambiciosos de Abril, por onde passa muito do chão comum que nos une enquanto portugueses, europeus e cidadãos do mundo.

 

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Não quero terminar sem antes lembrar, com emoção, todos os heróis de Abril, os que se bateram durante 48 anos contra a Ditadura, todos os que, dos mais aos menos conhecidos, contribuíram para o dealbar daquela madrugada, os que a planearam e executaram, os que a consolidaram, bem como, em geral, os que têm mantido vivo o seu espírito ao longo destes quase 50 anos.

Muitos já partiram, sendo impossível nomeá-los a todos e injusto fazê-lo apenas para alguns. Mas o seu exemplo continua a ser a bússola que nos orienta.

A todos, muito obrigado.

Viva o 25 de Abril! Viva a Democracia! Viva Portugal! 

 

Eduardo Ferro Rodrigues

Presidente da Assembleia da República