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25.04.2020 | Sessão Solene Comemorativa do 46.º Aniversário do 25 de Abril de 1974 | Sala das Sessões, Palácio de São Bento

Portuguesas e Portugueses,

Portugal e os Portugueses têm sido confrontados, nas últimas semanas, com as consequências de uma grave pandemia internacional, cuja evolução tem acarretado sérias implicações ao nível social, económico e financeiro.

A perda de centenas de vidas humanas é, sem dúvida, a expressão mais violenta da pandemia, porque irreversível.

E bastaria que se perdesse apenas uma, para que o nosso lamento se fizesse ouvir e a nossa solidariedade chegasse a quem vê desaparecer um seu ente querido.

Nesta hora difícil que vivemos, os nossos pensamentos estão com todos quantos perderam familiares e amigos.

Com todos quantos se encontram hospitalizados, lutando, pela sua sobrevivência, contra este vírus terrível.

Com todos quantos estão impossibilitados de contactar os seus mais próximos, confinados nas suas residências ou em instituições um pouco por todo o País, tentamos atenuar o vazio da privação dos afetos de proximidade.

A todos os que, impossibilitados de festejar na rua o Dia da Liberdade, nos possam acompanhar nesta Homenagem ao 25 de abril.

Para todos eles uma palavra de solidariedade, de ânimo, de esperança.

Mas, em especial, por todos os que nos deixaram, peço que cumpramos um minuto de silêncio.

[a assistência cumpre um minuto de silêncio, de pé]

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A crise que atravessamos, que a Europa e o Mundo atravessam – e que começou por ser apenas uma crise de saúde pública –, atinge hoje uma dimensão que só encontra paralelo se recuarmos séculos.

Desde o primeiro momento, Portugal e os Portugueses souberam mobilizar-se, de uma forma responsável empenhada, disciplinada, paciente e serena, antecipando mesmo as recomendações das Autoridades de Saúde e cumprindo escrupulosamente as suas orientações, dando provas da sua tenacidade, capacidade de resistência e a vontade maior de vencer esta enorme provação.

Ao fazerem-no, não sem sacrifício, estão a dar um precioso contributo para atenuar a transmissão mais acelerada do novo coronavírus e, dessa forma, moderar alguns dos efeitos mais nefastos da pandemia.

Desde o passado dia 18 de março, Portugal e os Portugueses enfrentam estas difíceis circunstâncias – que, de resto, partilhamos com muitos Países e cidadãos do mundo inteiro – em Estado de Emergência.

Circunstâncias que registam maior severidade na Europa, em especial em Espanha e Itália, Países Irmãos a quem endereçamos uma palavra amiga e solidária.

Estado de Emergência que é o primeiro das nossas vidas, e, esperamos, o último.

Que enfrentamos com ansiedade, com receio, com medo.

Porque, como nos lembra Mário Dionísio, «(…) ter medo é próprio do homem. A coragem não é mais do que saber atravessá-lo e ir com ele contra as forças que o consomem ainda e sempre com medo de mostrá-lo».

Mas, mesmo em Estado de Emergência, em Liberdade.

Mesmo em Estado de Emergência, não vimos ser suspensa a Democracia que somos, a Democracia que Abril nos trouxe, nessa manhã inesquecível que hoje, com sentido de dever e responsabilidade, evocamos e celebramos, volvidos 46 anos.

Mesmo em Estado de Emergência, a Assembleia da República não deixou de funcionar, não fechou as suas portas.

Enquanto órgão de soberania, e no uso das competências constitucionais, a Assembleia da República manteve intactos os seus poderes, determinantes para a resposta a esta crise.

Foi no uso dos seus poderes legislativos que a Assembleia da República aprovou, por exemplo, medidas sobre o endividamento das autarquias locais no âmbito da pandemia ou o regime excecional sobre a mora no pagamento das rendas e sobre a impossibilidade de suspensão de serviços essenciais (água, energia elétrica, gás natural ou comunicações eletrónicas).

Foi no uso do poder de Fiscalização que o Parlamento manteve o acompanhamento permanente do evoluir da situação e a fiscalização da ação do Governo e da Administração, em especial do conjunto de medidas extraordinárias e de caráter urgente de resposta à crise que Portugal e os Portugueses atravessam.

Foi a Assembleia da República que autorizou que o Senhor Presidente da República decretasse o Estado de Emergência, e que o pudesse renovar por duas vezes.

Ontem como hoje, honrando o papel fundamental do Parlamento, honrando quem representamos, honrando este chão comum que é a Constituição da República Portuguesa saída de 1976, honrando a Democracia que somos e todos quantos a tornaram possível.

Honrando hoje o 45.º Aniversário das Primeiras Eleições verdadeiramente livres em Portugal.

Celebrar – não festejar – o momento fundador do nosso regime na Casa da Democracia é, também, mostrar, no presente e para o futuro, que, independentemente das circunstâncias, mesmo as mais extraordinárias, mesmo em estado de emergência como o que vivemos, a Democracia e o Parlamento dizem Presente.

Para garantir que as crises nunca servirão de pretexto para lançar as sementes de qualquer alternativa antidemocrática.

A Assembleia da República, com os seus Deputados, não saiu do palco democrático, e, tal como o fez nas últimas semanas – respeitando todas as recomendações ao nível da saúde e da segurança, dando o exemplo pela prevenção e pelo trabalho –, abriu hoje mais uma vez as suas portas ao País.

E se não fechou as portas no passado, não faria sentido que não as abrisse hoje, 25 de abril de 2020, 46 anos depois de Abril que nos deu a Liberdade.

Aos Capitães de Abril, aqui representados pela Associação 25 de Abril, o nosso muito obrigado!

Desde 3 de junho de 1976, a Assembleia da República está em pleno funcionamento.

Hoje não foi exceção, hoje não é exceção.

A Liberdade não está só a passar por aqui: a Liberdade é aqui e agora.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Reunir hoje a Assembleia da República, tanto mais com a honrosa presença do Presidente da República e de Altas Entidades do Estado Português, tem igualmente um outro propósito: o de homenagear todos quantos têm permitido que o País não pare, que a economia não colapse, que o desemprego não dispare.

A todos os profissionais dos mais diversos setores – da agricultura à pecuária; da silvicultura à pesca; das indústrias extrativas às indústrias transformadoras; da banca aos seguros; da recolha de resíduos à limpeza urbana; dos estafetas aos operadores de super e hipermercados; das farmácias às obras públicas e construção civil; do transporte de mercadorias aos transportes públicos; da restauração aos correios e telecomunicações; dos bombeiros aos professores; da imprensa aos vários serviços públicos –, são milhões aqueles que disseram e dizem presente para que outros Portugueses possam recolher-se e proteger-se.

São milhões aqueles que, apesar das circunstâncias e com custo pessoal, se expõem, permitindo que o País não pare.

É pelo Povo, e para ele, que o Parlamento se mantém em funcionamento.

Com o seu labor, dão um inexcedível contributo para atenuar os efeitos desta pandemia, no imediato e no tempo, contributo sem o qual, não tenhamos dúvidas, não estaríamos em condições de superar esta crise.

Como nos dizia Luís Sepúlveda, um amigo de Portugal que vimos desaparecer nos últimos dias, devido à COVID-19, «(…) admiro os resistentes, os que fizeram do verbo resistir carne, suor, sangue, e demonstraram sem espaventos que é possível viver, mas viver de pé, mesmo nos piores momentos».

Mas há, compreenderão, uma palavra especial que devo transmitir em nome do Parlamento e das Portuguesas e dos Portugueses que aqui representamos:

- Aos profissionais de saúde, de todas as áreas, pela sua dedicação, pela sua competência, profissionalismo e enorme esforço que demonstram, muito além do estrito dever, prescindindo em tantas situações do contacto com familiares para uma entrega sem limites aos outros e à causa pública; e

- Aos militares dos três ramos das Forças Armadas e às forças de segurança, pelas qualidades e virtudes demonstradas na execução das tarefas e missões que lhes são atribuídas neste tempo particularmente exigente, nas quais revelam qualidades de bravura, coragem e grande dedicação ao serviço da segurança pública, de Portugal e dos Portugueses.

A todas e a todos, muito obrigado.

São também estes ganhos de Abril: a cultura cívica, a forma adulta como Portugal e os Portugueses estão a responder à emergência que atravessamos.

E há aqui que evocar uma das maiores conquistas do Portugal Democrático, o Serviço Nacional de Saúde, e o seu fundador, António Arnaut, que entendeu a igualdade de oportunidades como condição essencial ao exercício da Liberdade que hoje celebramos.

O Estado Social e Democrático que hoje somos teve nele um promotor visionário e um defensor exigente, sendo-lhe devida uma sentida homenagem no momento em que o Serviço Nacional de Saúde e os seus profissionais são testados ao limite por este vírus terrível que alterou radicalmente a nossa vida em sociedade.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O Portugal de hoje deve muito a todos quantos, contra todas as expectativas, contra muitos que pensavam nunca tal poder acontecer, foram capazes de ultrapassar bloqueios e encontrar soluções capazes de recuperar o País da profunda crise – até mesmo de identidade e de valores – em que se encontrava, depois de um período tão difícil e complexo como foi o período de assistência financeira, com profundos impactos na pobreza e na exclusão social.

De uma coisa estou certo: Portugal e os Portugueses estão vacinados contra a austeridade.

Resta saber se a vacina tem 100% de eficácia…

Embora a pandemia que enfrentamos tenha deitado a perder parte do que conquistámos com tanto esforço e sacrifício, devo aqui recordar que foi no Parlamento – que assumiu, também por isso, uma centralidade crescente no funcionamento do nosso sistema político – e em concertação permanente, que foi possível concretizar um programa de recuperação de rendimentos e de alteração de política económica, sem pôr em causa os compromissos internacionais de Portugal.

Num momento em que os Portugueses esperam dos seus representantes sentido de responsabilidade, estou certo de que todos os representantes políticos – porque todos contam, porque todos são importantes – darão o seu contributo para um novo presente, para um futuro melhor.

Todos têm sido determinados no combate a esta pandemia e aos efeitos por ela provocados.

Ao combate à pandemia (que está ainda longe de estar ultrapassado), soma-se agora um outro desafio, tão ou mais difícil: o do combate às desigualdades, pelo desenvolvimento económico, pela prosperidade.

Com projetos diferentes, naturalmente, mas respeitando as regras de funcionamento do sistema democrático.

É essa a natureza do nosso regime.

O pior que podia acontecer à nossa Democracia era ver o trabalho de escrutínio próprio das oposições parlamentares ser exercido por poderes fácticos ou inorgânicos, cujos intentos são pouco claros, muitas vezes contraditórios entre si, e dificilmente circunscritos às questões em disputa, e dos quais nunca virá nenhuma alternativa política e nenhum benefício democrático.

Pior está a Democracia quando o escrutínio é feito com base em calúnias, em mentiras, em falsidades. Em campanhas de desinformação que apenas visam denegrir as Instituições, os seus representantes e, em última análise, a Democracia.

Não é isto o escrutinar a Democracia: isto é a Democracia a ser atacada.

Quer a desinformação, quer a propaganda populista, aproveitam o distanciamento entre os partidos e a sociedade, sempre com o intuito de desacreditar os valores fundamentais do Estado de Direito Democrático, minar a confiança nas Instituições e, o fim último, destruir a Democracia.

A resposta passa por tornar a Democracia mais inclusiva, mais representativa.

Uma Democracia de confiança, capaz de gerar confiança.

A resposta passa por tornar as nossas Instituições mais fortes, mais sólidas, mais capazes de responder aos anseios das populações e de afastar os seus receios.

Não só em Portugal.

Também no plano da União Europeia tem sido essa a nossa aposta, contribuindo para que esta não perca de vez toda a credibilidade e razão de ser.

Porque, não tenhamos qualquer dúvida, se não houver solidariedade europeia no período mais grave que os Estados-Membros atravessam desde o final da 2.ª Grande Guerra Mundial, o projeto europeu deixará de fazer sentido.

Fiel aos princípios fundadores deste projeto comum de paz, de desenvolvimento e de democracia, Portugal tudo deve fazer para que, neste intervalo negro, não se perca a Europa da partilha e da solidariedade.

Como disse há poucos dias o Papa Francisco, «(…) hoje, a União Europeia encontra-se face a um desafio histórico, do qual dependerá não só o seu futuro, mas o do mundo inteiro».

A nossa intervenção política continuará a ser pautada pela defesa de todos os Portugueses e, em especial, de todos os que têm sido afetados por esta pandemia.

É por eles que nos devemos unir.

Porque, perante tamanho desafio – e tal como perante as crises migratórias ou as alterações climáticas –, só venceremos esta pandemia se nos mantivermos unidos.

Um combate que não depende só de nós, isoladamente.

Um combate que depende de todos.

Não podemos desistir, não há tempo a perder.

É pelos que sonham um futuro melhor, para si e para os seus, que hoje, com esperança e determinação, em democracia e liberdade, dizemos presente.

Viva o 25 de Abril! 25 de Abril sempre!

Viva a Democracia!

Viva a Liberdade!

Viva Portugal!

Muito obrigado.

Eduardo Ferro Rodrigues
Presidente da Assembleia da República