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​13.02.2020 | Homenagem ao General Humberto Delgado na passagem do 55.º aniversário do seu assassinato pela PIDE | Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, Lisboa

As minhas primeiras palavras são de agradecimento pela amabilidade do convite que me foi endereçado para estar presente nesta justa Homenagem a Humberto Delgado, o General Sem Medo, no 55.º aniversário do seu assassinato pela PIDE – convite que muito me honrou, devo dizê-lo.

Minhas Senhores e meus Senhores,

No dia 18 de maio de 1958, tomei, pela primeira vez, contacto com a repressão salazarista.

Foi um dia que marcou a minha infância e se cristalizou na minha memória como a imagem da tirania.

Tinha, então, oito anos e morávamos, meus pais e eu, na Rua Gonçalves Crespo, perto do Liceu Camões.

Nesse dia, realizava-se no Liceu Camões a primeira sessão de propaganda do General Humberto Delgado em Lisboa, no âmbito da sua campanha eleitoral para a Presidência da República.

Todas as ruas limítrofes do liceu se encheram de uma multidão compacta que queria ver e ouvir o candidato oposicionista, não obstante a proibição de atividades de campanha ao ar livre.

O ambiente era de euforia, mas também de apreensão face à presença de um forte dispositivo policial, que tentava isolar o local do evento.

Ao longo da noite assisti à indignação de minha mãe tornar-se preocupação e, por fim, medo e horror.

A ferocidade da repressão que se abateu sobre a multidão, com os seus gritos e disparos, fazia-se ouvir, clara e distintamente, em nossa casa.

Atónito, testemunhei com os meus próprios olhos a cargas da Guarda Nacional Republicana (GNR) a cavalo, com as espadas desembainhadas, sobre os manifestantes.

Uma violência contra civis desarmados, que aspiravam tão-só participar na vida política do país de que eram cidadãos, que ambicionavam deixar de estar amputados dos seus mais básicos direitos cívicos.

Menos de sete anos depois, a 13 de fevereiro de 1965 (faz hoje 55 anos), essa repressão atingiu a sua expressão máxima, com o brutal assassinato do homem que ousara ser candidato contra o sistema e que afrontava ainda o regime. Com ele, morreu Arajaryr Campos.

Obviamente que só anos mais tarde tive plena consciência do significado e alcance desses acontecimentos.

Por essa altura, Humberto Delgado era já uma referência, um símbolo de luta por um Portugal livre e democrático.

A minha geração, aliás, todos nós somos devedores desse homem que, nas palavras do velho ditador, «(…) voltou estragado dos Estados Unidos da América».

Ainda bem que voltou. O contágio da Democracia “estraga” mesmo os regimes autoritários, ditatoriais. Não admira que Salazar dela tivesse tanto medo.

Nunca é demais salientar a importância e a repercussão da campanha de 1958 para o “estragar” do Regime salazarista.

Não só por Humberto Delgado ter conseguido reunir um largo espectro de apoios à sua candidatura, abrangendo basicamente toda a oposição, desde os velhos republicanos, aos comunistas e aos monárquicos até, mas também pelo modo como planeou e executou a sua campanha eleitoral, percorrendo o País de norte a sul.

Foi uma campanha que surpreendeu e empolgou; foi uma campanha, desassombrada e a frontal, em que as palavras, ditas sem subterfúgios, ganharam uma força nunca antes testemunhada.

Foi uma candidatura levada até às urnas, que não vacilou perante as dificuldades colocadas no seu percurso, como aconteceu em candidaturas anteriores. Desistir não estava no caráter de Humberto Delgado.

Com ele, mesmo no exílio, a oposição encontrou uma figura com prestígio nacional e, sobretudo, com reconhecimento internacional.

O abanão foi imenso. O Regime sobreviveu 9 anos à morte de Humberto Delgado, mas já não foi o mesmo.

O fantasma desse «Homem do Povo e ao serviço do Povo», que afirmava que «(…) do Povo nada tenho a temer», ensombrou os anos finais do salazarismo.

A Liberdade e a Democracia chegaram finalmente com o 25 de Abril. 

O poder foi devolvido ao povo pelo Movimento das Forças Armadas, como sempre defendera Humberto Delgado.

E pudemos finalmente dizer, como proclamava: «O Medo Acabou»!
 
Muito obrigado.

Eduardo Ferro Rodrigues 
Presidente da Assembleia da República