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História do jornal oficial do Parlamento

Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa


O jornal oficial da Assembleia é, atualmente, o Diário da Assembleia da República.

Este título foi adotado em 1976, tendo seguido a designação atribuída ao Parlamento português. Foi durante a Assembleia Constituinte que obteve consenso unânime a proposta do Deputado Mota Pinto para que se chamasse Assembleia da República, em lugar de Assembleia dos Deputados.

A I série do Diário da Assembleia da República  "contém o relato fiel e completo do que ocorrer em cada reunião plenária", enquanto na II Série se incluem todos os documentos que são admitidos pela Mesa da Assembleia e que devam merecer publicação, nos termos do mesmo Regimento.

O jornal oficial do Parlamento português teve, ao longo do tempo, designações que corresponderam aos momentos e ciclos políticos do país e da sua instituição parlamentar.

Não se pretende aqui fazer a história, mas tão só sinalizar e, de alguma maneira, tentar sistematizar um percurso que, afinal, permitiu o registo e a memória de uma parte fundamental da história política do país.


1. Cronologia

Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa

A Revolução Liberal marca uma alteração profunda no poder político em Portugal, a que vai corresponder a primeira Constituição.

Em 24 de Janeiro de 1821, no Palácio da Necessidades, teve lugar a reunião inicial das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (também designada por Soberano Congresso).

O n.º 1 do Diário assinala o que foi essa sessão inaugural, em que se procedeu ao que hoje se designa como a verificação da legalidade dos mandatos: "procedeu-se à Sessão Preparatória de verificação dos Diplomas, e legalização das Pessoas e Poderes de cada um e de todos os apresentados (…)", havendo também uma referência ao número do público presente: "foram admitidos tantos Espetadores quantos o permitiu a capacidade das Galerias para isso destinada".

O Deputado, e também padre, Soares Castelo Branco fez uma surpreendente intervenção – para a época – sobre a liberdade religiosa e o Deputado Manuel Fernandes Tomás, herói aclamado nas ruas pela liderança da revolta do Porto e que com Borges Carneiro constituiu o Sinédrio, produz uma declaração sobre o estado do Reino e a necessidade de uma Constituição.

A 21 de novembro de 1821, por iniciativa do Deputado Borges Carneiro, iniciou-se um debate que visava transformar na pena imediatamente inferior a aplicação da pena de morte a condenados com essa pena capital e presos há mais de cinco anos. Inicia-se esse debate, relatado nas páginas do Diário, com a proposta do referido Deputado: "Proponho pois como coisa urgentíssima que se decrete: Que todos os réus que ao tempo da publicação do presente decreto, se acharem presos há mais de cinco anos, por crimes que mereçam a pena de morte, não sofram esta pena, mas a imediatamente menor".

Este processo culminará mais tarde, em julho de 1867, no reinado de D. Luís, com a aprovação de uma lei que aboliu a pena de morte para todos os crimes, excetuados os militares, colocando o nosso país num lugar cimeiro com o fim de tal pena, o que levou Victor Hugo a escrever: "Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. (...) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio! A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos».

O então Diário era dirigido por uma comissão parlamentar que procedia à sua publicação, venda e administração, sendo a parte taquigráfica dirigida por um súbdito espanhol D. Ângelo Roman Marti, que veio expressamente de Madrid, convidado pelo governo português, para dar formação em estenografia. De notar que este modelo de registo prolongou-se até aos anos 60 do século XX, altura em que se dá a alteração no modelo de registo das intervenções em Plenário.

Diário da Câmara dos Deputados da Nação Portuguesa

A Câmara dos Deputados, que inicialmente foi designada apenas por Cortes Constituintes, teve a seu cargo a aprovação da Constituição de 1822 e a sua existência como câmara única durou até 1826.

Entretanto, este modelo, com o primado do parlamentarismo, não agradava aos apoiantes do absolutismo, o que origina a revolta militar da Vila-Francada, em maio de 1823. O Diário relata a última sessão das Cortes do vintismo, a de 2 de junho de 1823, considerada memorável por alguma imprensa da época, com "o protesto dos representantes da nação contra o restabelecimento do absolutismo pela Vila-Francada e, por conseguinte, por toda e qualquer modificação que se fizesse na Constituição de 1820". Aqui finda a primeira época do Diário da Câmara dos Deputados.

É por outorga da Carta Constitucional que reaparece a publicação com o mesmo título.

Com a tomada do trono por D. Miguel, que dissolve as Cortes por decreto de 13 de março de 1828, fica abolida a Carta Constitucional.

Travam-se, então, acesos debates que escrutinaram da legitimidade do monarca à coroa. Os relatos de tais debates foram mandados publicar em separado, mas depois mandados cancelar e arquivar pelo governo constitucional.

Inicia-se a resistência liberal sob o comando de D. Pedro e com a Revolução de Setembro de 1836 são dissolvidas as Cortes Gerais e abolida a Carta Constitucional, sendo eleitos novos deputados para as Cortes Constituintes, que se reúnem pela primeira vez a 18 de janeiro de 1837.

Na sessão real de abertura das Cortes Extraordinárias, em 9 de dezembro de 1838, a Rainha D. Maria II aborda a questão da abolição do tráfico de escravos: "Não posso anunciar-vos, como esperava, a conclusão do Tratado com a Grã-Bretanha para a supressão do tráfico da escravatura. Confio porém que não está longe o dia em que se deverá concluir um ajuste definitivo. Com a França se entabularam também negociações tendentes ao mesmo fim. O interesse da Monarquia exige a total supressão daquele comércio inumano, o qual nas nossas Províncias Africanas obsta à civilização, e torna ali impossível a propagação do Evangelho."

Na qualidade de relator da comissão encarregada de preparar a resposta ao discurso do trono, o brilhante tribuno José Estêvão apoia esta posição como se transcreve no Diário de 29 de janeiro de 1839: "O tráfico da escravatura é sem dúvida um escândalo à face do mundo civilizado; e a Câmara aprovará quaisquer negociações entabuladas para a sua extinção (…)".  

O Diário desta época assinala, em muitas e muitas sessões, as intervenções de outros brilhantes oradores como Almeida Garrett (e o seu papel na redação da Constituição, talvez daí ser um texto "muito bem escrito"), Alexandre Herculano ou, ainda, Passos Manuel, o fundador da Biblioteca da Assembleia da República.

A qualidade, a vibração e a inspiração dos seus discursos eram acompanhadas por muitos cidadãos que vinham assistir às sessões, enchendo as galerias.

A partir de 1878, as bancadas parlamentares começam a ter no seu seio deputados republicanos que vão influenciar os debates e levar para aí as causas nascentes do republicanismo.

Os dramáticos factos da época, como o Ultimato, a agitação social e as mudanças permanentes de governo, conhecido por rotativismo, dominam os debates que ficaram registados no respetivo Diário.

No dia 3 de janeiro de 1903, com o início da 2.ª sessão legislativa da 35.ª Legislatura, os Deputados reuniram-se pela primeira vez na nova sala (que ainda hoje serve para a realização das sessões plenárias e que, em 2003, comemorou o centésimo aniversário), depois do incêndio que destruiu as antigas instalações, também no Palácio de S. Bento.

Em 1906 Afonso Costa faz um violento discurso contra os adiantamentos reais, o que origina a entrada da força armada, como se relata no Diário: "Na ordem do dia (continuação da discussão do projeto de lei n.º 13, que estabelece varias bases para uma reforma da lei de contabilidade), (…). Usa da palavra o Sr. Afonso Costa. Levanta-se tumulto. O Sr. Presidente (Tomás Pizarro) propõe à Câmara a censura do Sr. Afonso Costa, com suspensão das suas funções e, sendo a proposta aprovada, é este Sr. Deputado convidado a retirar-se. Suspende-se a sessão. Entra na sala a força militar, que acompanha o Sr. Afonso Costa até fora do edifício."

Diário da Câmara dos Pares do Reino

Os relatos da época, contidos no Diário, dão conta da sessão inaugural a 10 de julho de 1842, com o discurso da coroa, donde ressalta a referência ao tratado da abolição da escravatura: "Estão assinados, e vos serão presentes imediatamente, depois de ratificados, dois Tratados, que celebrei com Sua Majestade a Rainha da Grã-Bretanha; - um deles, para a repressão do tráfico da escravatura; o outro, para firmar as mútuas relações de comércio e navegação."

O jornal oficial das câmaras parlamentares era então editado como publicação autónoma ou inserido nas páginas do então chamado Diário do Governo, por razões de ordem política e/ou orçamental.

Diário da Assembleia Constituinte (1911)

A Revolução de 5 de Outubro de 1910, que pôs termo ao regime monárquico em Portugal, vem determinar um novo regime e também um modelo diferente de organização do poder político. Com a realização das eleições de 28 de maio de 1911, forma-se uma Assembleia Constituinte, que teve por incumbência a elaboração de uma nova Constituição.

O sumário do Diário da Assembleia Constituinte na primeira sessão após as eleições descreve o convite do Presidente aos Deputados para ouvir a leitura do decreto que aboliu a monarquia, que criou a nova Bandeira e Hino Nacional, eram 11 horas e 35 minutos da manhã.

Acesos e importantes debates marcaram esta nova era da vida do país, tendo ficado consagrados um conjunto de princípios quanto a direitos, liberdades e garantias individuais, ao ensino primário obrigatório e gratuito, a confirmação da abolição da pena de morte, a separação de poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial, assim como entre o Estado e as Igrejas, sendo ainda eleito pelo Parlamento o primeiro Presidente da República portuguesa, Manuel de Arriaga.

Da nova organização do poder político e do poder legislativo em particular resulta o Congresso da República, constituído por duas Câmaras: dos Deputados e do Senado.

Assim, serão três as publicações que nos dão conta dos trabalhos e dos debates aí realizados: o Diário do Congresso, o Diário da Câmara dos Deputados e o Diário do Senado.

No entanto, a turbulência política que marcava um país em mutação política, social e cultural, com pronunciamentos militares, golpes e contra golpes, vão marcar sucessivas alterações políticas e mesmo assassinatos políticos.

O Diário da Câmara dos Deputados regista, no dia 4 de março de 1915 (completaram-se em 2015 cem anos sobre este acontecimento), uma sessão fora do espaço do Parlamento.

Um conflito entre o Executivo e o Legislativo leva a que o Parlamento se reúna em Sessão Ordinária no Palácio da Mitra, na localidade do Tojal, nos arredores de Lisboa. Aí fica registada a razão do conflito, já que o Executivo, sem os poderes constitucionais para isso, decide o encerramento do Parlamento, impedindo que os parlamentares exerçam o seu mandato.´

A sessão abre com a presença de 68 Deputados e com a apresentação de um voto "de sentimento pelo assassinato do Deputado Henrique Cardoso", assim como de uma moção do Deputado Afonso Costa de condenação que "justifica, reprovando a ditadura do atual Governo». Dada a gravidade da situação, o Diário regista que o "Sr. Deputado Alexandre Braga propõe que seja convocado imediatamente o Congresso, a fim de se nomear una comissão que vele pela guarda e cumprimento da Constituição."

"O Sr. Presidente interrompe a sessão para se realizar a do Congresso», após o que reaberta da sessão, o Sr. Afonso Costa intervém, tal como se regista no Diário desse dia tão tenso: "O nosso primeiro dever é lançar na ata desta sessão um voto de sentimento pela morte do nosso querido amigo e membro desta Câmara, Sr. Henrique Cardoso. Ele foi a primeira vítima da ditadura, desta ditadura que não se contentou em invadir a esfera de ação do Poder Legislativo; que foi mais longe: teve a audácia de impedir que nos reuníssemos na nossa casa, ali, onde se elaborou a Constituição, onde se inscreveu a lei e estabeleceu o direito da República Portuguesa. Teve essa audácia, e, por cima, ainda nos ameaça."

Na sessão de 2 de março de 1922, o Diário da Câmara dos Deputados regista a intervenção do Deputado Cunha Leal, numa sessão evocativa da memória de "portugueses ilustres, a alguns dos quais a vida foi covardemente arrancada por vis assassinos», referindo-se a, entre outros, Machado dos Santos e Carlos da Maia, naquilo que ficou conhecido pela Noite Sangrenta de 19 de outubro de 1921.

Outros debates de grande importância tiveram lugar, com destaque para o da sessão extraordinária da Câmara dos Deputados, em 23 de novembro de 1914, em que se procedeu à discussão de uma proposta de lei do Governo, autorizando Portugal a intervir militarmente na I Grande Guerra como aliado da Grã-Bretanha.

Reza assim o sumário da sessão extraordinária n.º 10-A: "A proposta ministerial é aprovada por unanimidade. Interrompe-se a sessão, a fim de aguardar a resolução do Senado. Reaberta a sessão, usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério (Bernardino Machado) que termina por saudar o Povo Português, erguendo um viva à República Portuguesa. Produz-se uma entusiástica manifestação na sala e nas galerias da Camara, sendo aclamado o Sr. Ministro da Inglaterra em Portugal, que se achava na tribuna do corpo diplomático".

No período final da 1.ª República vivia-se já na Câmara a sensação de fim de regime, como se pode ver pela descrição do sumário do Diário da sessão de 31 de maio de 1926: "Abertura da sessão, às 15 horas e 10 minutos. Presentes à chamada, 37 Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 37 Srs. Deputados. Não há número.
Está encerrada a sessão legislativa.
O Sr. Lago Cerqueira: - Viva a República!
Muitas vozes: - Viva a República!
Eram 15 horas e 20 minutos."

Diário das Sessões (1935-1974)

A 28 de maio de 1926, um movimento militar põe fim ao regime saído da Revolução Republicana de 1910, abrindo caminho ao surgimento do Estado Novo, que se prolongou até abril de 1974.

O Parlamento manteve as suas portas encerradas de 1926 até 1935. A primeira reunião da então Assembleia Nacional tem lugar a 12 de janeiro de 1935, após eleições realizadas no mês de dezembro anterior.

Durante este tempo, apenas os Deputados propostos pela única organização política autorizada (União Nacional, depois designada por Ação Nacional Popular) compunham a Assembleia. Isto é o resultado da falta de toda a espécie de liberdades que permitisse o confronto entre expressões diferentes do pensamento político.

A vida do Parlamento durante este período esteve sempre diminuída nos seus poderes e competências e sujeita a uma cultura antiparlamentar. Exemplo flagrante disso mesmo é a carta que o Deputado Albino dos Reis endereça a Salazar, solicitando que o Governo lhe forneça matéria para debate, pois "Nada há para entreter a Assembleia."

As páginas do Diário das Sessões refletem, ao longo de muitas das suas páginas, a placidez triste do que eram os debates parlamentares. Como escrevia Jorge de Sena do exílio "a praia estava seca".

No início dos anos 70, a Assembleia começa também a sofrer o desgaste do regime. Um grupo de Deputados, que ficou conhecido por Ala Liberal, sujeita a debate projetos de lei relativos à lei de imprensa, à amnistia dos presos políticos e produz intervenções que têm grande repercussão pública. O próprio Diário tem procura pública aos balcões da Imprensa Nacional, que o imprime e comercializa.

Ficou célebre a troca de argumentos entre o Deputado Miller Guerra, da Ala Liberal, com outros Deputados, acerca dos acontecimentos do dia 1 de janeiro de 1973, na Capela do Rato, como se relata nas páginas do Diário da sessão de 23 de janeiro: «O Sr. Miller Guerra: (…) É aqui, nesta terra glorificada pela fidelidade à Igreja, que, no dia 31 de dezembro, os católicos reunidos numa capela para discutirem a justiça, a paz e a guerra são expulsos do templo...
Vozes: - Não apoiado!
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª não pode continuar a falar assim. Sabe Deus as razões dolorosas...
O Orador: - V. Ex.ª tem de pedir licença para me interromper.
O Sr. Cunha Araújo: - Está bem, mas V. Ex.ª deve abster-se de sustentar aqui opiniões tão verrinosas.
O Sr. Henrique Tenreiro: - V. Ex.ª não pode estar nesta Assembleia a criticar a ação militar dos nossos soldados em defesa do ultramar.
O Orador: - V. Ex.ª pediu a palavra?
O Sr. Henrique Tenreiro: - Não preciso de pedir a palavra para defender o meu país.
O Orador: - Sr. Presidente: Chamo a atenção de V. Ex.ª para o procedimento deste Sr. Deputado, que diz que não precisa de pedir a palavra.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Para defender o nosso país não preciso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miller Guerra: Eu também tenho de pedir a atenção de V. Ex.ª para o facto de se estar a referir a certas circunstâncias em termos diferentes daqueles que parecem ser, segundo foi comunicado à Assembleia e até ao País, os do realmente sucedido. Eu não quereria estar a interromper V. Ex.ª, mas peco-lhe o favor de se lembrar de que o primeiro direito à audiência reside na objetividade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª, mas parece-me que até agora não fui subjetivo.
O Sr. Cunha Araújo: - Foi verrinoso!
O Sr. Casal-Ribeiro: - Foi venenoso."

Mas ainda a poucos dias de eclodir o levantamento do 25 de Abril, o Deputado Albino dos Reis se referia aos acontecimentos do dia 16 de março deste modo: "Eis senão quando nos surge um movimento, que eu qualificarei de subversivo, de insubordinação e de rebeldia, partido do Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha
Meus senhores. Impressionou-me até o facto de esse movimento partir das Caldas da Rainha, povoação com população pacífica, progressiva e laboriosa, onde poderia pressentir-se o aroma místico das rosas da Rainha Santa Isabel, transmitido a outra rainha que não foi canonizada, mas era santa, que fundou as Misericórdias portuguesas.
Pois é daí que surge esse movimento de insubordinação e rebeldia. Meus senhores: O povo diz que depois da tempestade vem a bonança."

Um mês depois, a 25 de abril, não se confirmam os desejos do Deputado. O regime cai e, conforme relato do Diário, a Assembleia tenta realizar nesse mesmo dia uma sessão: "O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 49 Srs. Deputados. Não há número para a Assembleia funcionar em período de antes da ordem do dia.
Antes de encerrar a sessão, nada acho de melhor para dizer a VV. Exas. do que recordar-lhes uma frase eterna: «Tal como noutra terra e noutras circunstâncias, muita gente espera de nós que cumpramos o nosso dever». Nesta confiança, nesta certeza, e na esperança que ma dita, marco sessão para amanhã, à hora regimental, tendo como ordem do dia a ordem do dia fixada para a sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 15 horas e 43 minutos."

Poucas horas depois tudo terminava.

O Diário das Sessões do dia 26 de abril (em suplemento ao número correspondente ao do dia 25) publica, curiosamente, um despacho do respetivo Presidente, Carlos Monteiro do Amaral Neto, do seguinte teor: "Ouvido o Conselho da Presidência, cancelo a convocação de sessão da Assembleia marcada para hoje. Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1974."

Diário da Assembleia Constituinte (1975-1976)

A Revolução do 25 de Abril de 1974 marca o reinício da vida democrática em Portugal, depois de um longo interregno de ditadura. Foi a madrugada esperada «o dia inicial inteiro e limpo» nas palavras de Sophia.

Um ano após, realizam-se eleições livres para uma Assembleia Constituinte, com uma participação de 91 % dos portugueses com direito a voto, ficando a Assembleia constituída por 116 Deputados do PS, 81 do PPD, 30 do PCP, 16 do CDS, 5 do MDP/CDE, 1 da UDP e 1 da ADIM.

O Diário da Assembleia Constituinte inicia a sua publicação com a sessão solene da nova Assembleia a 2 de junho de 1975. Aí ficou registada a intervenção do então Presidente Henrique de Barros que frisava: "A História, juiz implacável, dirá um dia se fomos ou não capazes de desempenhar cabalmente a missão que o eleitorado nos atribuiu, nessa grande e inesquecível jornada cívica que foi o 25 de abril de 1975."

A fervilhante atividade política que percorre o país durante o ano que duram os trabalhos da Assembleia reflete-se no dia-a-dia dos debates. Além da discussão dos projetos de Constituição apresentados por todos os partidos, a criação de um período de antes da ordem do dia destinado ao "uso da palavra para versar assuntos de política nacional e interesse para a instituição" traz à novel Assembleia esse ambiente, de que é um ponto culminante o "cerco" à Assembleia de 12 para 13 de novembro, assim como as declarações relativas à possibilidade de "dar seguimento aos trabalhos da Assembleia Constituinte em qualquer momento e em qualquer lugar".

A Constituição da República Portuguesa tem a sua aprovação pela Assembleia Constituinte a 2 de abril de 1976, e na sessão solene que a encerra o Presidente Henrique de Barros assinala o valor desse trabalho e do idealismo que a todos percorreu: «Inexperientes como todos éramos na prática da democracia representativa, competentes no campo jurídico apenas alguns de nós, ansiosos todos por descobrir soluções progressistas adaptáveis à ideologia de cada qual, ingénuos talvez, qual de nós ousará sustentar que não cometemos erros e que fomos sempre capazes de encontrar as formulações mais realistas, mais suscetíveis de trazer ao domínio da realidade viva os ideais diversos que nos motivavam? Qual de nós ousará?"

Ao longo das páginas do Diário ressaltam intervenções de Deputados que se tornarão em parlamentares de grande qualidade, em que os conhecimentos técnicos andam de par com uma cimentada cultura política.

Diário da Assembleia da República (1976-)

Por proposta dos Deputados Constituintes, a instituição parlamentar que resulta das eleições de 25 de abril de 1976 vai adotar a designação de Assembleia da República e o seu jornal oficial passa a ter o título de Diário da Assembleia da República, cujo primeiro número data de 3 de junho de 1976.

As páginas do Diário registam todos os momentos importantes da vida do Parlamento e do país e assinalam a diversidade de pensamento e de propostas que os partidos aí representados têm para os problemas dos portugueses.

Ao contrário do período do Estado Novo, o Parlamento passou a ter de facto "muito com que se ocupar". São disso exemplo, além dos debates relativos às iniciativas legislativas e do momento político, os processos relativos às revisões da Constituição, do Orçamento do Estado e das leis estruturantes do nosso regime.

O Diário da Assembleia da República é, pois, um importante repositório onde está o registo dos momentos de controvérsia ou de consenso da vida política ou, ainda, aqueles em que a ironia é usada como uma arma de inteligente do combate político.


2. Modelo de registo e de elaboração

O método de registo das intervenções foi durante muitos anos o método taquigráfico, ainda em uso em alguns parlamentos, complementado com a respetiva gravação.

O Parlamento português, no entanto, adotou, a partir da segunda metade dos anos 60, como metodologia de registo a gravação integral das respetivas sessões plenárias. Uma nova fase se vive com a introdução da gravação digital, modificando por completo o modelo de registo.

É esse trabalho de mediação entre o discurso oral e o discurso escrito que fixa o texto que ficará a valer com valor político e histórico. A fixação de um texto com esta mediação exige, pois, grande concentração, rigor e um apurado conhecimento das posições políticas dos oradores e do momento em que decorrem os acontecimentos.

Épocas houve em que, por não existirem tais suportes e perante uma falha, era à memória que se recorria, como o deste episódio descrito no O Ocidente, corria o ano de 1864.

Um dos redatores, escritor de primeira água na altura, perdia, por vezes, as suas notas taquigráficas, mas isso não o inibia. Fechava-se no seu gabinete, recorria à sua prodigiosa memória e escrevia de cor os debates, ficando estes, algumas das vezes, muito melhores, quanto ao uso da linguagem, do que os proferidos por certos oradores.

Os profissionais que ao longo dos anos têm colaborado na elaboração desta publicação têm contribuído para que uma importante parte da história do país fique registada, possa ser lida pelos cidadãos e trabalhada pelos investigadores que dela vão fazer as interpretações do passar do tempo histórico.

Jornalistas, poetas e prosadores, como António Cândido Crespo ou Afonso Lopes Vieira, e mesmo outras personalidades que vieram a desempenhar cargos políticos, a par de muitos outros profissionais que permanecem anónimos, têm sido o suporte humano para que a memória da vida do Parlamento não se perca no tempo.


3. Edição

O jornal oficial do Parlamento teve, quanto à sua edição, diferentes modelos. Durante vários anos, a irregularidade na edição desta publicação levou a que se constituíssem comissões de Deputados com vista a "remediar tal situação". Exemplo disso foi a constituição, em 1836, de uma comissão, da qual fazia parte Almeida Garrett, que tinha por objeto "estudar de novo o plano de um diário próprio para as discussões das cortes gerais e constituintes da nação portuguesa».

Pouco tempo depois, Passos Manuel determina a publicação do Diário das Cortes com duas séries, em que a primeira "compreenderá na mais ampla extensão os debates legislativos" e a "segunda série constituirá uma edição oficial das Atas das Cortes Gerais adicionando-se-lhe, na íntegra, todas as peças que, ou lhes foram presentes ou nelas se debaterem (…)".

As tecnologias de informação e o seu acelerado desenvolvimento nos últimos anos vieram permitir mais uma alteração substancial quanto à sua edição e difusão pública.

Desde setembro de 2003 que as I e II Séries do Diário da Assembleia da República são hoje publicadas exclusivamente em formato eletrónico, sendo disponibilizadas no website do Parlamento e podendo a sua consulta ser feita gratuitamente e sem reservas por todos os cidadãos.

Por outro lado, o público tem ainda uma outra possibilidade de acesso ao jornal oficial do Parlamento através de um arquivo digital, designado Debates Parlamentares, onde se insere o texto integral das atas das sessões plenárias, desde 1821, nas várias câmaras parlamentares - Monarquia Constitucional, I República, Estado Novo e III República.

Fontes: Arquivo Histórico Parlamentar, Debates Parlamentares, O Ocidente.