Liberdade cultural
Na sessão de 2 de setembro de 1975, realiza-se o debate na especialidade dos artigos 28.º e 29.º apresentados pela Comissão de Direitos e Deveres Fundamentais (Títulos I e II):
"Artigo 28.º
1 - É livre a criação intelectual, artística e científica.
2 - Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor.
Artigo 29.º
É garantida a liberdade de aprender e ensinar."
A Deputada Sophia de Mello Breyner (PS) intervém
na defesa da liberdade da cultura, que considera um fator determinante na
transformação da sociedade e na libertação dos seres humanos. Trata-se, de
acordo com a Deputada, da "cultura real", caracterizada como
revolucionária, e não da cultura como um luxo de uma classe privilegiada ou um
enfeite da vida.
Acrescenta ainda que a revolução cultural
só é possível com a liberdade da crítica e sem "dirigismo" ou
"paternalismo" cultural do poder político:
"Queremos uma relação limpa e saudável
entre a cultura e a política. Não queremos opressão cultural. Também não
queremos dirigismo cultural. A política, sempre que quer dirigir a cultura,
engana-se. Pois o dirigismo é uma forma de anticultura e toda a anticultura é
reacionária."
Mais tarde, sobre o artigo relativo à liberdade
de aprender e ensinar, afirma:
"O socialismo será construído através da
união entre intelectuais com todos os trabalhadores. Através de uma revolução
cultural, que nos pede toda a nossa imaginação, que nascerá de formas de
criação livremente críticas e, por isso, livre na sua participação."
Aprovados os princípios constitucionais da
liberdade cultural e de ensino, Barbosa de Melo (PPD) apela ao Ministério da
Educação e Investigação Científica para que, na sua política, "faça entrar
o princípio da liberdade de espírito", nomeadamente, nas "instruções
e circulares que difunde" e "nos programas e livros que aprova e
recomenda".
No debate na generalidade do texto da Comissão
de Direitos e Deveres Fundamentais (Título III – Direitos e Deveres Económicos,
Sociais e Culturais), na sessão de 11 de
setembro, José Augusto Seabra (PPD) levanta a questão da
intervenção do Estado no plano da cultura, alertando para a
necessidade de conciliar o planeamento com a garantia da diversidade da criação
cultural nas suas diferentes formas, referindo as "culturas
pleonasticamente ditas cultas" e as "culturas populares". O
Estado não deve impor "uma diretriz única da cultura, quer no plano
filosófico, quer no plano estético, quer no plano ideológico", deve antes
garantir que sejam dados meios para a criatividade se exprimir
livremente.
Sousa Pereira (MDP/CDE) contesta a intervenção
de José Augusto Seabra, defendendo que o Estado não pode ser neutro e deve
programar a cultura de acordo com diretrizes que permitam uma revolução
cultural.
O confronto sobre esta matéria tem a
maior expressão no debate na especialidade do artigo 27.º (Cultura),
nomeadamente no respeitante ao seu n.º 3:
"O Estado não pode atribuir-se o direito de
programar a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas."
Na sessão de 9 de
outubro, O MDP/CDE propõe a eliminação deste número.
Sousa Pereira invoca o "sistemático aproveitamento pelas classes
dominantes das conquistas culturais" para recusar uma atitude do Estado
"passiva e acéfala em relação à cultura":
"Se consideramos fundamental a construção
do socialismo, só duas posições nos restam: ou consideramos que nesse caminho a
educação tem papel importante e por isso deve ser orientada, planificada e
programada; ou consideramos que não tem e por isso serão desnecessários os
cuidados aqui expressos."
Na resposta, Sottomayor Cardia, manifesta-se
contra a "unicidade cultural e intelectual" e pela manutenção do n.º
3 do artigo:
"É a recusa da filosofia, da estética
oficial, da ideologia oficial e da religião oficial. Do mesmo modo é a recusa
do controlo político do conteúdo da cultura e da educação. Na verdade nós,
socialistas, não queremos filosofia única nem estética única, nem política
única, nem religião única, nem ideologia única."
Sousa Pereira volta a usar da palavra,
reforçando que se trata de o Estado garantir, através de diretrizes culturais,
o prosseguimento do fim a que se destina, a construção de uma sociedade sem
classes:
"(...) para construir esse Estado
socialista é necessário, é fundamental, que o Estado siga uma política cultural
coerente e que conduza a essa sociedade sem classes, a essa sociedade em que a
exploração do homem pelo homem seja eliminada."
Na mesma sessão, o PCP, não apoiando a
eliminação do n.º 3 do artigo, apresenta uma proposta de substituição do texto:
"Sem prejuízo da liberdade cultural,
filosófica, estética, política, ideológica e religiosa, o Estado apoiará e
estimulará as necessárias transformações culturais da sociedade portuguesa no
sentido da construção de uma sociedade socialista."
Contra um tipo de cultura que caracteriza como
"senhorial", Vital Moreira entende que a revolução cultural apenas
pode ter lugar com a intervenção do Estado, sem limitar, no entanto, a
pluralidade das expressões culturais.
De acordo com o Deputado do PCP, apenas com
a consignação na Constituição do direito de intervenção do Estado nas áreas
culturais e educativas é possível, por exemplo, "alterar necessariamente
os programas de ensino, alterar a visão idealista, para não dizer pior, da
interpretação da História, (…) alterar os programas fascistas do ensino, sem
que lhe seja assacado imediatamente que ele está a violar esta norma
constitucional", impondo um "monolitismo cultural".
Entre as propostas de alteração apresentadas na
sessão, encontra-se uma do CDS para a introdução de um novo número relativo à
educação, integrando a questão cultural e a questão educacional no mesmo
artigo:
"4 - O Estado promoverá a democratização da
educação e as condições para que a educação realizada através da escola e de
outros meios formativos contribua para o progresso harmonioso da sociedade
democrática."
A redação final da Constituição de 1976
consagraria as seguintes disposições sobre esta matéria:
"Artigo 42.º
(Liberdade de criação cultural)
1. É livre a criação intelectual, artística e
científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à
invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística,
incluindo a proteção legal dos direitos de autor.
Artigo 43.º
(Liberdade de aprender e ensinar)
1. É garantida a liberdade de aprender e
ensinar.
2. O Estado não pode atribuir-se o direito de
programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas,
estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
3. O ensino público não será confessional.
Artigo 73.º
(Educação e cultura)
1. Todos têm direito à educação e à cultura.
2. O Estado promoverá a democratização da
educação e as condições para que a educação, realizada através da escola e de
outros meios formativos, contribua para o desenvolvimento da personalidade e
para o progresso da sociedade democrática e socialista.
3. O Estado promoverá a democratização da
cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos, em especial
dos trabalhadores, à fruição e criação cultural, através de organizações
populares de base, coletividades de cultura e recreio, meios de comunicação
social e outros meios adequados."
Redação atual dos artigos:
Artigo 42.º
(Liberdade de criação cultural), Artigo 43.º
(Liberdade de aprender e ensinar); Artigo 73.º
(Educação, cultura e ciência).