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"Galeria das Senhoras na Câmara dos Senhores Deputados, ou as minhas observações (1828)"


Galeria das Senhoras na Câmara dos Senhores Deputados, ou as minhas observações (1828)


PUSICH, Antónia Gertrudes – Galeria das senhoras na Câmara dos Senhores Deputados, ou as minhas observações. Lisboa : Typ. De Borges, 1848. 16 p. Cota: 174/1900 (1) (2405-2438).

Não nos deixemos iludir pelo título deste pequeno opúsculo de 16 páginas: em 1848 estava ainda vedada às mulheres a participação política ativa. D. Antónia Gertrudes Pusich foi, porém, uma pioneira na luta pela emancipação feminina, pela via da instrução, de que o seu percurso pessoal foi exemplo. Nascida em 1805 na ilha de São Nicolau, Cabo Verde (de cujo governador era filha), foi poetisa, dramaturga, pianista, compositora e, em 1864, Venerável da 1.ª Loja Maçónica Portuguesa de Adoção (feminina), a Loja Direito e Razão. Viria a morrer em Lisboa, em 1883. Foi no jornalismo que Antónia Pusich assumiu principal destaque, ao ser a primeira mulher em Portugal a assinar com nome próprio, e não a coberto de um pseudónimo masculino. E fê-lo não só assinando colaborações em periódicos como o Paquete do Tejo, a Revista Universal Lisbonense ou o Almanach, mas também assumindo a direção e propriedade no cabeçalho das publicações que fundou – A Assemblea litteraria: jornal de instrucção (1849-1851), A Beneficencia: jornal dedicado à Associação Consoladora dos Afflitos (1852) e A Cruzada: jornal religioso e litterario (1858) – e que usava para a sua intervenção pedagógica na defesa dos direitos das mulheres: “Eduquem-se pois, instruam-se convenientemente as meninas, aproveitem-se as excelentes disposições do espírito de nossas jovens compatriotas, e as gerações futuras serão mais felizes que a presente”, lê-se no nº 4 d’A Assemblea litteraria.

Em Lisboa, viveu no n.º 238 da Rua de São Bento, prédio que hoje ostenta uma lápide com o seu nome. Essa proximidade do Palácio das Cortes terá propiciado que se tornasse, já viúva do seu terceiro marido e mãe de 11 filhos, frequentadora assídua da galeria das senhoras na Câmara dos Deputados, experiência em que se baseou o título que hoje apresentamos. Numa sociedade que perspetivava ainda o espaço público – e o debate político – como eminentemente masculino, a presença de senhoras não deixava de constituir um elemento estranho e, em certa medida, inibidor, de que é exemplo este excerto da Sessão n.º 32, de 17 de maio de 1893, estando no uso da palavra o Sr. Francisco Machado:

“(...) eu não sei como hei de exprimir-me para não ofender o decoro da câmara, há dias, repito, o administrador impediu que uma rapariga menor de quatorze anos fosse para casa da mãe, e não digo o que ele respondeu quando a mãe lhe foi pedir a entrega da filha, porque é impróprio desta casa.

Vozes: – Diga, diga.

O Orador (voltando-se para a galeria das senhoras): – Não posso, porque estão ali senhoras.”

Com o que até agora ficou dito sobre D. Antónia Pusich, não causa estranheza que o seu  texto surja como mais uma oportunidade de defesa da participação cívica das mulheres: “As pessoas sensatas, e que sabem distinguir as coisas, não duvidaram um instante de que eu só ia ali para ouvir, ou discorrer sobre os objetos de que as câmaras se ocupavam, e que eu podia compreender!... mas, é lástima, que em lugar aonde só deviam pensar no desempenho da séria missão de que os encarregara uma nação, houvesse quem se não envergonhasse de lançar as vistas a uma galeria para menoscabar o crédito de todas as Senhoras que ali apareciam!…”, lê-se na abertura. Mais à frente, critica a maledicência dos deputados, para cujas “línguas perversas” “todas aquelas que veem às Cortes, veem namorar, sejam casadas, viúvas, ou solteiras!”, juízo moral para o qual o livro pretende servir de vingança e desafronta. E acrescenta: “portanto preparai as costas para sofrer os golpes, não dos punhais que o medo (companheiro inseparável do crime) vos fez senhor! não da foice da Maria da Fonte, como ousasteis chamar-me; porém de uma arma mil vezes mais terrível de quantos punhais, quantas foices, e pás, mão feminil tem manejado, e de que tendes notícia, por ouvir dizer!...”: “a arma é a pena; o campo a imprensa, que é aquele onde milito; já que as leis da sociedade me prendem as mãos, e impedem que eu empunhe outras armas!... ânimo não me falece... Sobra-me o desejo; e a razão é um estímulo o mais forte...”.

E é nesse sentido que a ideia geral que a autora deixa das Cortes, na legislatura iniciada em 1848, é a de uma “casa de alienados”, onde “os berros, as expressões agrestes, e insolentes; os saltos, e batidas nas carteiras; finalmente um frenesi tal, que não se podia tomar, em cavalheiros daquela ordem, senão por acesso de loucura!”. Em outra passagem, critica “alguns srs. Deputados da oposição [que] riam de tudo!... Riam conversando, riam orando, riam ouvindo; riam até quando o presidente lhes pedia atenção!! Riam sempre!”, o que considera, num “homem político”, uma “figura triste, tristíssima!... (é a verdadeira oposição do caráter sério de representante de uma nação briosa)”. E conclui: “Tomara eu saber se no parlamento inglês, que alguns querem por modelo, se ri tanto?...”.

Esta curiosa e singular visão, no feminino, do ambiente parlamentar vivido em meados no século XIX pode ser consultada, em formato digital, aqui.