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Galeria parlamentar ou para-lamentar de 1858


Galeria parlamentar ou para-lamentar de 1858
Títulos da autoria de Aprígio Fafes (pseudónimo de Eduardo Tavares) editados entre 1858 e 1589

A livre manifestação do pensamento foi um dos direitos consagrados pelo regime liberal, nos sucessivos diplomas constitucionais. Embora a legislação relativa à imprensa fosse conhecendo uma maior ou menor abertura em função da conjuntura política, este direito nunca foi dissociado da responsabilidade por eventuais abusos à liberdade de imprensa. A lei de 3 de Agosto de 1850 tinha mesmo operado uma «enumeração e classificação dos crimes ou delitos cometidos pela publicação do pensamento pela Imprensa, por palavras ou escritos», sendo de tal forma restritiva que «excitou a maior animadversão pública», considerando-se, no decreto que a extinguiu, logo em 24 de maio de 1851, que «longe de assegurar o uso, e de punir o abuso de um direito sacratíssimo, solenemente declarado no Código Político, pelo contrário pode suspeitar-se haver sido concedida para sufocar e oprimir a Imprensa». 

Atendendo à violência verbal que marcava recorrentemente o combate político oitocentista, com ataques frontais a instituições e a protagonistas, potencialmente enquadráveis em crimes de injúria, ofensa ou blasfémia, o recurso ao anonimato ou ao pseudónimo surgia regularmente como estratégia de proteção dos autores. Tal poderá ser o caso dos três títulos que apresentamos hoje, editados entre 1858 e 1859, com autoria de Aprígio Fafes, que hoje sabemos tratar-se do pseudónimo de Eduardo Tavares.

Nascido em Almada em 1831, emigrou jovem para o Brasil, de onde regressou em 1852, para ocupar a posição de amanuense do escritório da fábrica do tabaco, a primeira de muitas atividades que viria a exercer: primeiro-oficial da secretaria do Ministério dos Negócios da Fazenda, contador da Junta do Crédito Público, procurador à Junta Geral do Distrito de Lisboa, delegado do Tesouro, sempre a par de uma intensa relação com a imprensa, como fundador, redator e colaborador de numerosas publicações periódicas, e de um envolvimento político, nas hostes do partido Conservador.

Foi eleito deputado, pelo círculo de Almada, nas sucessivas legislaturas compreendidas entre 1868-1878, lugar que ocupou sempre com autorização para acumular as funções de funcionário da Fazenda. Mas foi uma década antes da sua estreia parlamentar que publicou estes três curiosos textos, que constam da coleção da Biblioteca Passos Manuel, e que agora disponibilizamos em formato digital.

Na Galeria parlamentar 1 propõe-se fazer uma «apreciação imparcial de cada um dos membros do parlamento» da legislatura de 1858. Percebe-se, pelo conteúdo, que o autor a considere uma «galeria para-lamentar», composta de «tantos entes nulos». Numa altura em que um dos principais requisitos de um parlamentar eram os dotes de oratória, Aprígio Fafes não reconhece a mais do que 13 o título de orador. Os restantes, recebem embaraçosos comentários personalizados: a par de muitos «incógnitos», um, «consegue abrir a boca, mas a pedido do ministério está quase sempre calado»; outro, é «cavalheiro muito prestável e mais nada»; outro, «quando fala, o que felizmente sucede raras vezes, massa o auditório»; outro, é «sublime no mexerico»; outro, «representa o catarro, o reumatismo, e o pigarro pretensioso»; outro, é um «autómato politico»; outro, é a «imagem da ignorância audaciosa»; outro, «berra, e enfurece-se»; outro, «chora quando fala, e amua-se como uma criança traquina»; outros, não passam de «nulidades».

Galeria pitoresca da Camara dos Pares 2 mantém o mesmo propósito do título anterior. Entre elogios sinceros a alguns dos perfis com assento na câmara alta, não deixa de fazer a outros críticas acutilantes. De um, diz que «não tem um único atributo que o recomende como homem público» e de outros, sucessivamente, que «não tem no país a menor importância como homem público, e, supomos, que nem mesmo a quer ou deseja ter»; de outro, que «não nasceu para Mirabeau, e aprecia mais um bom charuto havano, do que as tiradas mais eloquentes de um orador elegante»; que «abre às vezes a boca, porque está farto de estar calado, mas a maior parte das vezes boceja prudentemente em vez de fazer discursos contrafeitos»; que «como orador é o primeiro maçador deste país»; que é um «bon-vivant de uma força inexcedível. É muito boa pessoa, e um detestável par»; ou ainda que «nunca o vimos sentado na sua cadeira».

O livro É já Ministro? 3 traça a trajetória «de um homem particular feito homem público». Trata-se de Anastácio Rouxo, filho de barão, formado em Coimbra, e da sua meteórica ascensão na política nacional. Já eleito deputado, e momentos antes do seu primeiro discurso na Câmara, «Anastácio tinha até certo ponto a convicção da sua mediocridade: todavia nos bancos dos ministros via ele alguns cavalheiros simbolizando a estátua do silêncio eterno, e nem por isso deixavam de ser ministros e secretários de estado de Portugal: daqui tirava ele por conclusão que não era preciso ser orador para chegar a tão eminente cargo, e esta judiciosa reflexão alentava-lhe as esperanças de vir ainda a sentar-se naqueles bancos tão ambicionados». O que veio a acontecer, entre fidelidades e traições, quando se mudou para as fileiras da oposição, onde se destacou a fazer «oposição… por negação». Esta história de vida, que expunha a nu a impreparação da classe política, tinha por base uma triste moral: «Seria a honra quem o elevou até tão alto? Seria o talento, a inteligência, os dotes de homem público que o fizeram subir à eminente posição em que se acha? Não o sabemos, ou antes sabemos o contrário. Foi a ignorância, a proteção oficial, o dinheiro de seu pai, e a tacanhez do seu espírito». Porque «o mais vil ignorante metido dentro de um balão sobe, contanto que tenha ânimo, até aonde não é capaz de subir a mais robusta inteligência do globo…»

João Carlos Oliveira


[1] Galeria parlamentar ou para-lamentar de 1858, contendo uma apreciação imparcial de cada um dos membros do parlamento da actual legislatura de 1858 / offerecida ao bom senso do paiz por Aprígio Fafes. Lisboa : Typ. de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1858. 16 p. Cota: 174/1900 (1) (2405-2438)

[2] Galeria pitoresca da Câmara dos Pares, contendo uma apreciação imparcial de cada um dos membros da câmara hereditária / offerecida ao bom senso do paiz por Aprígio Fafes. Lisboa : Typ. de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1858. 16 p. Cota: 174/1900 (1) (2405-2438)

[3] É já ministro? : aventuras de um Anastacio ou metamorfoses politicas de um homem particular feito homem publico por obra e graça... / Aprigio Fafes. Lisboa : Typ. Lisbonense d'Aguiar Vianna, 1859. 63 p. Cota: 155/1900 (C) (2318-2339)