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Reprodução do projeto do interior da Livraria do Convento das Necessidades para assento das Cortes, da autoria de Domingos Sequeira.

A Livraria do Convento das Necessidades foi o local escolhido para acolher o primeiro Parlamento português.

As obras de adaptação e decoração da sala para as suas novas funções realizaram-se em apenas 45 dias, com três filas de cadeiras em forma de hemiciclo e a mesa da Presidência no centro virada para os Deputados. O projeto inicial previa lugares para os 100 Deputados eleitos em Portugal Continental, pelo que, com as posteriores eleições nos territórios ultramarinos, as bancadas foram ampliadas.

  As Cortes Constituintes de 1820, por Roque Gameiro (in "Quadros da História de Portugal", 1917).

O Diário do Governo de 20 de janeiro de 1821 descreve de forma pormenorizada o espaço que acolheu o Parlamento:
“Acha-se finalmente concluída, e tem bastante gente já visto, a Sala do nosso Congresso Nacional, que o Governo mandou adereçar na que foi Casa da Livraria do Convento das Necessidades. O gosto e asseio que nela se divisa são dignos do alto objeto a que se destina, e honram o Ilustríssimo Coronel de Engenharia Maximiano José da Serra, a quem foi incumbida a direção da obra, a que se dedicou com o maior desvelo. Julgamos, pois, que a seguinte descrição deverá sem dúvida por sua individuação ser agradável aos nossos leitores.

Tem a Casa 160 palmos de comprimento e 44 de largura, e é por dois largos Dormitórios da parte do Poente a sua entrada geral; da banda do sul tem três grandes janelas para a parte do Tejo, e seis do Nascente, que deitam sobre os terraços e grande pátio da entrada; do lado do Norte tem duas janelas para os belos jardins daquela Régia Casa, e em cima , quase  juntas à cimalha, correm 22 janelas; o que vem a fazer o número de 33, por onde se comunica à Sala a maior claridade, e a tornam bastantemente alegre, fazendo a luz muito bom efeito na cor de enxofre das paredes, que matiza belamente com o azul claro e com o carmesim dos apainelados e armação.

Foi a casa dividida em semielipses concêntricas, que dividem as diferentes Tribunas, todas em anfiteatro. A primeira semielipse (ou meia-laranja, segundo o termo vulgar) tem o eixo maior ou prolongamento direto de uma extremidade à outra, de 64 palmos, e o semieixo menor, ou sua maior largura, 23 palmos. Esta superfície da Sala é horizontal, cercada de uma teia de altura de 34 palmos, com sete entradas, cinco para os planos das cadeiras dos Deputados, e duas com meias portas nos corredores da entrada do povo. No intervalo da 1.ª e 2.ª semielipse estão as cadeiras dos Deputados em anfiteatro de três ordens. Nos lados desta superfície há duas pequenas Tribunas, com sua teia, para o Corpo Diplomático. No intervalo da segunda e terceira semielipse, nos lados da Casa, há duas Tribunas também em anfiteatro, com cinco ordens de bancos estofados, para os espectadores, subindo-se para elas por duas largas escadas praticadas no fim de cada extremidade da casa; e ficam por baixo de cada uma destas Tribunas (além de duas casas de retrete e 2 casas para os Guardas) dois largos corredores, por onde devem entrar os Diplomáticos, e as pessoas que se dirigirem às mesmas Tribunas. Pela parte exterior se construiu anexa à Sala uma saleta com uma espaçosa escada, pela qual hão de entrar os Deputados, e por baixo se formou o quartel da Guarda.

As Oficinas ocupam todo hum Dormitório, que contém 25 casas, sete das quais são Secretarias das Comissões, uma de Livraria, três de Imprensa , 1 de Arquivo, quatro de Deputados, três do Porteiro e dois contínuos e o resto para despejos e arrecadações.

Dada esta ideia da Sala e suas pertenças, passamos a dar notícia da sua disposição, e decoração.

No meio do eixo maior da semielipse, isto é, bem no meio da Sala, do lado do Nascente, está colocado o Trono de S. M. apainelado de cetim carmesim e galão de ouro, com balaustrada dourada que assenta sobre veludo carmesim guarnecido de galão, e o corrimão e cordão também de veludo entrelaçado com galão estreito de oiro: tem cinco degraus cobertos de uma excelente alcatifa azul clara, e em cima está o estrado em que assenta a Cadeira de S. M. dourada e estofada, coberta com lustrina de ouro. Por cima da Cadeira brilha em um precioso quadro o venerando retrato, de corpo inteiro, do nosso Augusto Monarca com Manto Real, em cuja execução se esmerou o pincel do nosso exímio Pintor Domingos Antonio de Sequeira; o caixilho deste quadro, ricamente dourado, tem 12 palmos de altura, e 8 de largo. O espaldar em que ele assenta é de lustrina de ouro; assim como o dossel, com grandes franjões de ouro, e tudo guarnecido de galões de palheta de ouro largos; tem hum véu volante de tafetá carmesim com franjas de oiro, com o qual se encerra o retrato.

Defronte do Trono, e junto a ele, sobre um grande estrado alcatifado de carmesim, está a Cadeira do Presidente coberta de damasco encarnado, e a mesa dos Secretários, de 9 palmos de comprido, coberta de cordovão, guarnecida de pregaria dourada, cercada de damasco encarnado com cercadura de galão de seda amarelo. Em cima desta mesa estão duas escrivaninhas e seis castiçais de prata e duas urnas, uma coberta de preto, outra de carmesim, guarnecidas de galão espiguilha de ouro, que devem servir para o escrutínio. Aos lados deste estrado estão seis cadeiras de cada parte para o Governo Executivo, e ao lado destas cadeiras estão duas mesas pequenas para os Taquígrafos, cobertas de cordovão com pregaria dourada, e cercados de pano escarlate guarnecido de galão de seda.

A superfície desta Sala até a primeira teia tem uma preciosa alcatifa de xadrez; e a teia contém vinte painéis de damasco carmesim com filetes dourados, e molduras cor de mogno envernizadas, e corrimão de marroquim encarnado com pregaria dourada. A superfície onde hão de estar os Deputados está dividida em três planos, em anfiteatro, com diferença de um palmo de nível ou de altura entre cada plano, e nestas três ordens se acham colocadas cem cadeiras, número dos Deputados, sobre alcatifa cor de café, matizada.

Aos lados desta superfície em plano pouco mais alto estão as duas mencionadas Tribunas para a Diplomacia, em que há duas ordens de assentos, estofados e guarnecidos de pregaria dourada, com uma teia, e forro de tribuna, de apainelados de nobreza azul clara com molduras cor de mogno envernizadas, filetes dourados, tendo corrimão de marroquim, alcatifa de chão azul claro com matizes.

As duas Tribunas do povo ficam superiores dez palmos às da Diplomacia, e o seu anfiteatro tem cinco ordens de planos com diferença de um palmo de altura, umas acima das outras, e nelas há 40 bancos estofados cobertos de cordovão com pregaria dourada, corrimão coberto de marroquim com igual pregaria, e com sua competente alcatifa.

Até altura de 20 palmos é a Casa forrada de grandes apainelados de nobreza azul clara, com filetes dourados, e molduras cor de mogno envernizadas. As escadas das Tribunas, e os corredores estão armados de panos de rás, assim como as duas Casas dos Guardas, tendo estas seus lampiões, e as da retrete, que são alcatifadas. No meio da Sala há cinco grandes lustres de muito bom gosto, sendo o maior o do centro, que tem 12 lumes, e os outros 8, e nas paredes, no resto da altura da Casa, que não está apainelada, e que é de 20 palmos, pintada a fresco de cor de enxofre, há 28 serpentinas douradas, com 58 lumes. As janelas sacadas estão da banda de dentro armadas de cortinas de damasco carmesim com grandes bandinelas do mesmo, e as 22 janelas superiores tem cortinas de tafetá carmesim com bandinelas do mesmo, guarnecidas de franja de seda de cores as de cima, e as de baixo de carmesim.

A saleta é pintada com o maior gosto, tem um lustre de 4 lumes, e está alcatifada; na porta há um grande reposteiro. A escada principal dos Deputados é pintada a fresco, e tem 2 grandes lampiões cada um de 4 lumes de cera.

Nas Secretarias há 12 mesas de 6 pés de comprido e 2 de 9, forradas de cordovão com pregaria dourada, cercadas de pano escarlate, e 12 moxos estofados, grades, armários, estantes, etc.

Todo este trabalho se executou em 45 dias , o que assaz prova o zelo , atividade, e patriotismo, assim como os conhecimentos que neste desempenho patenteou o sobredito Coronel do Real Corpo de Engenheiros, de quem é todo o plano da distribuição da Sala, gosto da sua armação, e alfaias, mostrando assim quão acertada foi a escolha que dele fez o Excelentíssimo Tenente General Secretário dos Negócios da Guerra, que o incumbiu desta honrosa comissão.”