A Lei da Paridade
A Lei da Paridade foi aprovada em 2006, sete anos após a apresentação pelo Governo à Assembleia da República de uma primeira proposta e da rejeição ou caducidade de cinco iniciativas sobre esta matéria. Revista em 2019, será objeto de avaliação sobre o impacte na promoção da paridade entre homens e mulheres ainda na presente legislatura.
Até uma Lei da Paridade
A Constituição da República Portuguesa, na versão aprovada em 1976, inclui duas referências a mulheres, ambas na qualidade de trabalhadoras e relativas à proteção durante a gravidez e o parto [alínea c) do artigo 54.º e n.º 2 do artigo 68.º]. A menção explícita apenas nestes artigos não significa que o legislador constituinte tenha ignorado ou preterido a questão da igualdade, que foi expressamente prevista no artigo 13.º. Determina este artigo que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão – entre outros – do sexo.
Na revisão de 1997 [1], o artigo 112.º da Constituição, com a epígrafe “Participação política dos cidadãos”, passou a artigo 109.º, substituindo-se «dos cidadãos» por «de homens e mulheres», ficando o preceito com a seguinte redação:
«A participação direta e ativa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.»
Também nesta revisão foi alterado o artigo 9.º, tendo sido aditada a alínea h) que declara tarefa fundamental do Estado promover a igualdade entre homens e mulheres. Esta alteração levou a que fosse constituída uma Comissão de Juristas [2] encarregada de efetuar um trabalho sobre a aplicabilidade daquela disposição.
Em 1999, depois de se ter conhecido o relatório e as recomendações desta Comissão, o Governo apresentou a proposta de lei n.º 194/VII – “Garante uma maior igualdade de oportunidades na participação de cidadãos de cada sexo nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal”. Como era referido na exposição de motivos, esta proposta de lei restringia-se às listas candidatas à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, por serem aquelas onde esta questão tem maior visibilidade e premência, prevendo o seu alargamento posterior aos órgãos de poder regional e local. De forma a garantir a igualdade, esta iniciativa visava impedir que as listas fossem constituídas por mais de 75% de candidatos efetivos do mesmo sexo nas primeiras eleições e por mais de 66,7% nas eleições subsequentes. Esta proposta de lei foi rejeitada na generalidade
[3].
Na VIII Legislatura, o Governo apresentou a proposta de lei n.º 40/VIII – “Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos”. De acordo com a exposição de motivos, esta percentagem corresponderia a uma meta quantitativa no caminho para a paridade, ou melhor, poderia constituir o “limiar de paridade”. Para o efeito, as listas apresentadas para círculos plurinominais não poderiam conter, sucessivamente, mais de dois candidatos do mesmo sexo colocados, consecutivamente, na ordenação da lista, sob pena de rejeição da mesma. As substituições deveriam obedecer ao mesmo princípio. Na mesma altura foi apresentada uma iniciativa pelo BE, o projeto de lei n.º 388/VIII – “Medidas ativas para um equilíbrio de género nos órgãos de decisão política”, que fixava idêntica percentagem de representação de cada um dos sexos, sem, contudo, fixar regras precisas quanto à elaboração da lista.
As duas iniciativas foram aprovadas na generalidade, tendo ambas caducado com o fim da legislatura decorrente da dissolução da Assembleia da República.
Na IX Legislatura foram apresentados dois projetos de lei sobre o mesmo tema: um da iniciativa do PS, o projeto de lei n.º 251/IX – “Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos”, e outro do BE, o projeto de lei n.º 324/IX – “Alterações às leis eleitorais no sentido de introdução do objetivo de paridade”.
Ambas as iniciativas caducaram com nova dissolução da Assembleia da República, não tendo chegado sequer a ser debatidas e votadas na generalidade.
Na X Legislatura, o BE optou por apresentar três projetos de lei sobre esta mesma questão: n.º 221/X – “Altera a Lei Eleitoral da Assembleia da República, introduzindo o requisito da paridade”, n.º 222/X – “Altera a Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais, introduzindo o requisito da paridade” e n.º 223/X –“Altera a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu, introduzindo o requisito da paridade”. Estes projetos de lei foram apreciados e votados em conjunto com o projeto de lei apresentado pelo PS: n.º 224/X – “Lei da Paridade: Estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Autarquias Locais, são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos”.
As iniciativas foram debatidas e aprovadas, tendo dado origem a um primeiro Decreto que foi vetado pelo Presidente da República.
Na mensagem que enviou à Assembleia da República, o então Presidente, Aníbal Cavaco Silva, refere que a objeção de fundo ao diploma aprovado resulta do facto de este prever a possibilidade de rejeição das listas de candidaturas incumpridoras, o que considera um regime sancionador excessivo e desproporcionado. O decreto foi reapreciado e votado com alterações, dando origem à Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto: “Lei da Paridade: estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mútua de 33% de cada um dos sexos”.
Na atual Legislatura, foram eleitas 89 mulheres
A revisão da Lei da Paridade
A Lei da Paridade entrou em vigor em 2006 e foi aplicada nos três atos eleitorais realizados em 2009, eleições para o Parlamento Europeu, Assembleia da República e autarquias locais. A penalização prevista na lei para as situações de incumprimento é a redução do montante de subvenções públicas para as campanhas eleitorais
[4]. Previa ainda a lei que, decorridos cinco anos sobre a sua entrada em vigor, a Assembleia da República procederia à avaliação do impacto na promoção da paridade entre homens e mulheres e à sua revisão de acordo com essa avaliação.
Cingindo-nos aos seus efeitos nas eleições legislativas, verifica-se que até às eleições realizadas em 1995, a percentagem de mulheres eleitas se manteve sempre abaixo dos dois dígitos em termos percentuais. Apenas nas eleições realizadas em 1995 foram eleitas 28 mulheres, representando 12,2% dos deputados. Nas eleições seguintes, esta percentagem vai aumentando, embora lentamente (em 1999 sobe para 17,4%, em 2002 para 19,6% e em 2005 para 21,3%), verificando-se um aumento mais significativo em 2009, justamente depois da entrada em vigor da Lei da Paridade, em que são eleitas 63 mulheres, correspondendo a 27,4% dos deputados eleitos. Nas eleições de 2011, a percentagem baixa para 26,5%, sendo eleitas menos 2 mulheres, atingindo o patamar dos 33% nas eleições de 2015, e ultrapassando-o em 2019, quando foram eleitas 89 mulheres, correspondendo a 38,7% dos deputados [5].
A Lei da Paridade sofreu, entretanto, duas alterações: uma primeira, em 2017
[6] que revogou a exceção relativa às freguesias com 750 ou menos eleitores e aos municípios com 7500 ou menos eleitores, que tinham ficado de fora do seu âmbito de aplicação, e uma segunda em 2019. A Lei Orgânica n.º 1/2019, de 29 de março, que teve origem na proposta de lei n.º 117/XIII, apresentada pelo Governo, subiu o limiar mínimo de representação de cada sexo para os 40%, determinando que para o efeito não podem ser colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista. Esta alteração já se encontrava em vigor aquando das eleições legislativas de 2019 em que se assiste a um aumento de 5,7% de deputadas eleitas.
A Lei Orgânica n.º 1/2019 retoma a penalização constante do primeiro diploma aprovado sobre esta questão, e que foi por esse motivo vetado, determinando a rejeição da lista que não cumpra o critério da paridade, caso não seja corrigida
[7]. Determina ainda que, em caso de substituição de titular de mandato eletivo, o mandato é conferido a um candidato do mesmo sexo da respetiva lista. Curiosamente, no caso da Assembleia da República, o mecanismo de substituição de deputados não tem acarretado, em regra, diminuição do número de deputadas [8].
Ainda de acordo com esta Lei, a cada quatro anos, o Governo, através da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, elabora e apresenta à Assembleia da República um relatório sobre o impacte na promoção da paridade entre homens e mulheres na composição dos órgãos nela abrangidos, incluindo eventuais sugestões para o seu aperfeiçoamento.
[1] No mesmo ano, é publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/97, de 24 de março, que «Aprova o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades». Refere no preâmbulo que a participação das mulheres nos lugares de decisão política é muito reduzida, contudo, não prevê qualquer medida para inverter esta situação.
[2] A Comissão era constituída por Jorge Miranda, Leonor Beleza, Lúcia Amaral, Vital Moreira e Luísa Duarte.
[3] Com os votos a favor do grupo parlamentar do PS e da Deputada Manuela Aguiar do PSD.
[4] De acordo com o Balanço da implementação da Lei da Paridade em diferentes níveis de governo, elaborado pela CIG - Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, em 2018, nas eleições legislativas, as desconformidades à lei foram esporádicas, tendo-se cingido aos partidos pequenos sem representação parlamentar.
[5] Segundo a União Interparlamentar, Portugal ocupa o 22.º lugar, ex-aequo com a Bielorrússia, num ranking de 190 países, em termos do número de mulheres eleitas para os parlamentos nacionais. Em comparação com os outros países da UE, no índice de igualdade do Instituto Europeu para a Igualdade de Género coloca Portugal abaixo da média europeia nos vários domínios, designadamente na área do poder.
[6] Lei Orgânica n.º 1/2017, de 2 de maio.
[7] O Comité [sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres] nas Recomendações Finais relativas ao 8.º e 9.º relatórios de Portugal, urge a aumentar a representação das mulheres na vida política através da alteração da Lei da Paridade, por forma a alcançar 50% de representação de ambos os sexos em todas as assembleias legislativas aos níveis europeu, nacional e local, devendo a mesma ser posta em prática nas Regiões Autónomas. Recomenda também que Portugal reforce a penalização em caso de incumprimento da lei prevendo, por exemplo, a nulidade automática dessas listas. CEDAW, UN, 20.11.2015
[8] Com exceção das I (1979/1980) e IV Legislaturas em que as deputadas passam de 17 e 16, respetivamente, para 12.