No dia
22 de julho de 1918, decretado pelo Governo "feriado nacional e considerado de grande gala", tem lugar a sessão solene de abertura do Parlamento (1), com Sidónio Pais a anunciar a "plena normalidade constitucional" no país, após a Revolução de Dezembro de 1917 e a realização de eleições legislativas e presidenciais em abril de 1918.
A Capital (2) descreve pormenorizadamente a chegada da multidão ao Largo das Cortes, hora e meia antes da cerimónia, empoleirando-se nas cantarias, instalando-se sob as árvores ou cobrindo o pedestal da estátua de José Estevão (3).
Deputados, senadores, membros do Governo, corpo diplomático e convidados começam a chegar às 14h00, seguindo-se os representantes de Governos estrangeiros e os Presidentes das duas câmaras parlamentares. Os homens vestem casaca e chapéu alto, ou uniforme, no caso dos militares, e "as senhoras ostentam garridas toilettes".
A carruagem presidencial percorre o trajeto entre o Palácio de Belém e São Bento, sempre acompanhado por multidões nos passeios e nas janelas, onde sobretudo as senhoras "agitavam lenços, davam palmas e vivas à passagem do cortejo".
O mesmo ambiente de euforia espera o Presidente da República na entrada no Congresso. Ao som de
A Portuguesa, Sidónio Pais entra na Sala das Sessões, "onde toda a assistência se levanta, exceto os senhores deputados monárquicos". No dia seguinte, o Senador Mário Monteiro justificaria que alguns parlamentares se conservaram sentados porque o hino tocava fora do recinto e que "bastou que um simples contínuo que vinha adiante do Chefe do Estado assomasse à respetiva porta para que todos os monárquicos se levantassem". Na Câmara dos Deputados, Aires de Ornelas apresentaria uma versão semelhante, dizendo não ser costume "levantar-se quando se ouve a alguma distância e não no recinto o hino nacional". (4)
No discurso de abertura do Parlamento, o Presidente da República justifica a Revolução de Dezembro como uma resposta aos "desmandos e a corrupção do poder", canalizando as "energias dispersas" dos descontentes para salvar a Pátria "que estava em perigo":
"A chama que ardia nos corações dos revolucionários elevava-se até os céus numa aspiração de Justiça, de Verdade e de Beleza, que os inspirava, vaga talvez na forma da realização, mas firme e definida na intenção mais pura de salvar a Pátria e de buscar a felicidade dum Povo. Foi para estes elevados fins que o Governo conduziu sempre a sua política interna e internacional."
Enaltecendo os feitos da governação dezembrista, Sidónio Pais declara que "a obra ditatorial será submetida ao critério do Parlamento".
A intervenção termina com uma saudação às forças armadas portuguesas que combatem em França e em África "pela causa sagrada da Pátria e da humanidade".
A mensagem que Sidónio Pais dirige ao Congresso no dia 22 de julho é comparada por alguns parlamentares ao discurso da coroa do tempo da Monarquia (5). Também para Cunha Leal, Deputado da maioria parlamentar, trata-se de "uma coisa que não está nas tradições republicanas":
"A mensagem é qualquer coisa de que o Governo toma a responsabilidade? Qualquer coisa semelhante ao discurso da coroa? Desejava saber se será nomeada uma comissão para responder à mensagem presidencial e discutir-se na Câmara esse documento." (6)
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Sidónio Pais chega ao poder na sequência do movimento revolucionário de 5 a 8 de dezembro de 1917, derrotando, na zona da Rotunda, em Lisboa, as forças que apoiam o Governo chefiado por Afonso Costa. O movimento, liderado por Sidónio, reúne várias correntes descontentes com a governação do Partido Democrático, marcada pela crise económica e social, pela participação de Portugal na Grande Guerra e pelas medidas anticlericais.
Destituído o Presidente da República, Bernardino Machado, e dissolvido o Parlamento, Sidónio Pais assume, a 11 de dezembro, a chefia do Governo, que acumula com as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Dias mais tarde, é publicado um
decreto determinando que o Chefe do Executivo assume também as funções de Presidente da República “enquanto não for eleito pelo futuro Congresso", forma de eleição prevista na Constituição de 1911, em que o próprio Sidónio Pais participara enquanto Deputado Constituinte.
Estava aberto o caminho para a República Nova, de pendor presidencialista, autoritário, antipartidário e antiparlamentar. Em março de 1918, é
instituído o "sufrágio universal" – para cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos, em que se incluem os analfabetos – e o sufrágio direto para a eleição do Presidente da República. Altera-se, assim, de forma ditatorial, a Constituição de 1911. O
Decreto n.º 3997, de 30 de março de 1918, que ficaria também conhecido como "Constituição de 1918", determina ainda que o Presidente da República nomeia e demite livremente os membros do Governo e que, no Parlamento, o Senado passa a ser composto por representantes das províncias e de interesses profissionais.
Mas, além de medidas políticas e legislativas, como a alteração da lei da separação do Estado com as Igrejas, que revoga as medidas mais controversas para a sociedade portuguesa, Sidónio Pais privilegia os contactos com a população, realizando viagens por todo o país, onde é aclamado por multidões, ou promovendo obras de caridade, como a "Sopa dos pobres", também conhecida por "Sopas do Sidónio".
Sidónio recorre à imprensa para projetar a imagem de um Chefe de Estado que, autoritário na condução do Governo e na manutenção da ordem pública, se mantém próximo das populações, atento aos problemas e às preocupações dos mais carenciados.
No dia 28 de abril de 1918, realizam-se as eleições presidenciais e para o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado).
Sem oposição, Sidónio Pais é eleito Presidente da República, com cerca de meio milhão de votos, num universo de perto de 880 000 cidadãos recenseados (7).
Nas eleições para o Parlamento, os partidos republicanos da República Velha não se apresentam às urnas e apelam à abstenção. O Partido Nacional Republicano, criado expressamente para o ato eleitoral, reunindo várias fações políticas em torno da figura de Sidónio Pais, alcança uma ampla maioria.
O Parlamento sidonista, mandatado para rever a Constituição de 1911, legitimando, desta forma, a República Nova, não conclui os seus trabalhos.
Os debates são marcados pela tensão entre republicanos e monárquicos, mas também pelas divisões que se acentuam no seio do Partido Nacional Republicano, nomeadamente, no que diz respeito à questão do regime presidencialista.
A instabilidade política, com sucessivas remodelações ministeriais, os protestos do movimento operário e dos partidos republicanos na oposição, o recurso à censura e o fortalecimento da repressão policial, a participação de Portugal na Grande Guerra (8) e a crise económica e social são alguns dos fatores que contribuem para o declínio do sidonismo.
A 14 de dezembro de 1918, Sidónio Pais é abatido a tiro por um ex-sargento do Exército (9). O Governo decreta 30 dias de luto nacional. As cerimónias e o cortejo fúnebre, no dia 21, entre a Câmara Municipal e o Mosteiro dos Jerónimos, são acompanhados por milhares de pessoas em clima de grande emoção e revolta. Como relata a
Ilustração Portuguesa, "o luto em que imergiu a nação inteira" provocou uma dor que "igualou a indignação contra esse crime infamíssimo".
Reinaldo Ferreira (Repórter X), do jornal
O Século, difunde as últimas palavras de Sidónio Pais - "Morro bem! Salvem a Pátria!" (10). Esta frase estaria presente em muitos materiais de evocação do Presidente da República, ajudando a criar o mito do "salvador da Pátria". No entanto, uma outra versão refere que as últimas palavras de Sidónio teriam sido "Não me apertem, rapazes", dirigindo-se àqueles que o ajudavam. (11)
A 16 de dezembro, na
Câmara dos Deputados e no
Senado, realizam-se sessões de homenagem a Sidónio Pais, com todas as forças políticas a expressar a sua indignação contra o atentado. António Lino Neto, a presidir à Câmara dos Deputados recorre à imagem de Sidónio como "mártir da pátria":
"O Dr. Sidónio Pais era uma majestosa figura nacional (…). Curvemo-nos em respeito diante do seu cadáver e honra ao herói que, para nos salvar, não trepidou um momento em face de nenhum perigo até o sacrifício da sua própria vida."
A República Nova chegava ao final, mas a memória do "Presidente-Rei" (12), na expressão de Fernando Pessoa, perdura no tempo através de homenagens, cerimónias religiosas, romagens, postais, cartazes, brochuras e outras publicações.
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(1) Eleito a 28 de abril de 1918, o Congresso da República, mandatado para rever a Constituição, é constituído por duas câmaras: Câmara dos Deputados e o Senado. A Câmara dos Deputados é composta por 155 Deputados: 108 sidonistas (Partido Nacional Republicano), 37 monárquicos, 5 católicos e 5 independentes. No Senado, além dos 28 representantes das classes profissionais, têm assento 32 sidonistas, 10 monárquicos, 2 independentes e 1 católico.
(2)
A Capital, 22 de julho de 1918, Hemeroteca Municipal de Lisboa.
(3) A estátua de José Estêvão em 1918 estava instalada em frente à fachada principal do Palácio.
(4)
Diário do Senado, 23 de julho de 1918,
p. 6, e
Diário da Câmara dos Deputados, 23 de julho de 1918,
p. 6.
(5) Mário Monteiro,
Diário do Senado, 23 de julho de 1918,
p. 4, e Machado Santos,
idem,
p. 5.
(6)
Idem,
p. 12.
(7) Maria Alice Samara -
Sidónio Pais. Fotobiografias do século XX, dir. Joaquim Vieira. Mem Martins, Círculo dos Leitores, 2002, p. 120.
(8) A Batalha de La Lys, na Flandres, travada durante o período sidonista, a 9 de abril de 1918, marca tragicamente a participação de Portugal na Grande Guerra (1914-1918), com uma ofensiva do exército alemão a derrotar as forças portuguesas, que, desfalcadas e física e moralmente esgotadas, deveriam ser rendidas nesse mesmo dia. Muitos criticam o governo sidonista de abandonar as tropas portuguesas na Flandres, não enviando militares para render os que lá permaneciam.
(9) Dias antes, a 6 de dezembro, um jovem dispara três vezes sobre o Presidente, quando este entra no carro em Belém. As balas tinham sido embebidas em veneno, pelo que ficam inutilizadas e Sidónio Pais sai ileso.
(10) http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/id?id=039690 (Fundação Mário Soares).
(11) O Deputado Amândio de Alpoim veicula essa versão na sessão de homenagem a Sidónio Pais: "Reboam em nossos ouvidos, estremecendo nossas almas apiedadas, as suas últimas palavras – "Não me apertem, rapazes!". Diário da Câmara dos Deputados, 16 de dezembro,
p. 13.
(12) http://purl.pt/13964/4/l-79533-v_PDF/l-79533-v_PDF_24-C-R0150/l-79533-v_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf (Biblioteca Nacional de Portugal).