Regime dos presos políticos (1972)
Na sessão de 15 de janeiro de 1972 da Assembleia Nacional, Francisco Sá Carneiro, Deputado da denominada Ala Liberal, denuncia a atuação da Direção-Geral de Segurança (1) como atentatória dos direitos humanos, referindo diversas queixas por “prisões e buscas sem mandados”, pelos “métodos de interrogatórios praticados, durante os quais se não admite a presença de advogado dos suspeitos presos”, assim como pelo regime prisional da Cadeia de Caxias.
O Deputado exige o respeito da legalidade, com a presença de advogado nos interrogatórios, garantia do tratamento justo das pessoas, preservando-as de qualquer “coação física e moral”, e, simultaneamente, da própria credibilidade das autoridades instrutórias. Sá Carneiro refere que se trata apenas de defender o cumprimento da lei, pois a “investigação não é, não pode nunca ser, obtenção de confissões”.
Ao afirmar que a segurança das pessoas e a prevenção dos crimes “não pode fazer-se com desrespeito pelas pessoas”, Sá Carneiro provoca a reação do Deputado Casal-Ribeiro, que o interrompe, dizendo “Faz-se à bomba…”. Segue-se uma acesa troca de palavras entre os dois parlamentares, em que intervém ainda o Deputado Henrique Tenreiro:
“[Sá Carneiro]: - V. Ex.ª diz que se faz à bomba a defesa da sociedade...?
[Casal-Ribeiro]: - Não é bomba dos bombeiros, Sr. Doutor, é bomba daquelas de plástico que rebentam no cais dos barcos...(2)
[Sá Carneiro]: - V. Ex.ª entende que isso é defesa da sociedade?
[Henrique Tenreiro]: - É, sim, senhor. E defesa da vida daqueles que não querem morrer...
[Sá Carneiro]: - V. Ex.ª diz que se faz à bomba. Bom. Pela minha parte, entendo que a defesa da sociedade se faz até contra as bombas, venham elas de que lado vierem. Qualquer subversão, qualquer violência, venha da direita ou da esquerda ou de outro sítio merece ser punida, merece ser reprimida. Simplesmente, as pessoas têm o direito a ser tratadas sempre como homens que nunca deixam de ser, seja qual for o crime de que são suspeitos e pelo qual venham a ser condenados. Homens de qualquer extrema têm sempre direito a ser tratados como homens.”
Por entre interrupções e apartes, Sá Carneiro prossegue solicitando o fim das detenções de pessoas sem culpa formada em “crimes contra a segurança do Estado”, em que os suspeitos chegam as estar presos pelo período de um ano, em condições desumanas, sem assistência de advogado e sem serem ouvidas em tribunal.
Na mesma sessão, Francisco Pinto Balsemão refere também as queixas recebidas por familiares de presos políticos e defende a necessidade de “melhorar o regime prisional” e de “acelerar a marcação dos julgamentos”.
Retomando a palavra, Sá Carneiro propõe que a Assembleia Nacional, no uso das suas competências de "vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo ou da Administração", constitua uma comissão eventual de inquérito “para estudar todas as queixas, reclamações e acusações formuladas e proceder a inquérito à atuação da Direcção-Geral de Segurança e ao regime prisional da Cadeia de Caxias, devendo apresentar, no prazo de um mês, um relatório circunstanciado da sua atividade, das conclusões a que chegou e das medidas que propõe”.
A proposta provoca de imediato os apartes de “não apoiado” dos Deputados Henrique Tenreiro e Casal-Ribeiro. Este último refere a “agitação no Ultramar” desde 1961, com sucessivos atos terroristas que exigem a manutenção de uma “luta sem tréguas” na defesa da nação “do Minho a Timor”. Em resposta à defesa dos direitos humanos dos suspeitos de crimes políticos, contrapõe a necessidade de maior severidade na punição dos criminosos:
“É indispensável, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a Nação saiba que os criminosos são procurados, que serão encontrados, e duramente castigado quem pretende apunhalá-la pelas costas e trair a sua continuidade, tentando demolir as suas estruturas, base essencial para a sua resistência, evolução, reformas, progresso, em suma: luta contra o tempo e vitória final.”
Também Almeida Cotta, assumindo-se como porta-voz do Governo, afirma que as instruções do Executivo são no sentido de tratar os “detidos segundo as prescrições da lei e os ditames da humanidade” e que, num país que é “forçado a fazer face a movimentos subversivos”, as organizações que apoiam esses movimentos lançam “campanhas de descrédito dos organismos policiais, multiplicando as queixas sem fundamento e espalhando na opinião interna e internacional acusações de utilização de métodos de tortura”. Argumenta que a disciplina das polícias e das prisões é da exclusiva competência do Governo e conclui:
“Está certo de que a designação pela Assembleia da comissão de inquérito sugerida pelo Sr. Deputado Sá Carneiro seria interpretada pela opinião pública como desautorizadora da luta que vem sendo conduzida sob a sua responsabilidade contra o terrorismo interno.”
Em janeiro de 1973, pouco antes de renunciar ao mandato, Sá Carneiro apresenta um projeto de lei de amnistia dos presos políticos.
Na exposição de motivos da iniciativa, o Deputado considera que os “chamados crimes políticos são, na sua quase totalidade, artificiais” e que a sua repressão “é a expressão da intransigência de um poder ilimitado que não admite a livre expressão crítica ou a atuação contrária de quem dele diverge.”
A Comissão de Política e Administração Geral e Local, reunida para apreciar o projeto de lei, começa por criticar a publicitação da iniciativa nos órgãos de comunicação social antes de, nos termos regimentais, ser dado conhecimento à Comissão, emitindo, de seguida, o seu parecer:
“Passando à Apreciação do Projeto de Lei apresentado pelo Senhor Deputado Francisco Sá Carneiro, foi o mesmo unanimemente considerado, pelos membros presentes à reunião da Comissão de Política e Administração Geral e Local, como gravemente inconveniente.”
(1) A Polícia Política assumiu várias nomeações: Polícia Internacional (1928); Polícia de Vigilância e Defesa do Estado – PVDE (1933); Polícia Internacional de Defesa do Estado – PIDE (1945) e Direção-Geral de Segurança – DGS (1969).
(2) Referência a um atentado bombista que teve lugar na madrugada do dia 13 de janeiro de 1972, na doca de Alcântara, em Lisboa, que provocou prejuízos materiais. Na mesma sessão, o Deputado Casal-Ribeiro condena esse atentado, exigindo castigo severo para os seus autores.