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Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na Sessão de Abertura da 13ª Cimeira Global dos Comités Nacionais de Bioética, Fundação Calouste Gulbenkian 

15 de setembro de 2022 

 

VERSÃO PT

 

Senhoras e senhores,

Boa tarde.

 

Estou muito satisfeito por poder participar nesta Cimeira Global e deixem-me começar por desejar a todos uma conferência proveitosa. A agenda desta Cimeira é, sem dúvida, interessante, oportuna e complexa (como é normalmente tudo o que trata de ética!)

Temos assistido nas últimas décadas a extraordinários avanços tecnológicos, especialmente na área da saúde e dos cuidados de saúde. É dado adquirido que estes desenvolvimentos suscitam questões igualmente relevantes no que respeita ao âmbito da sua utilização, do seu impacto e da sua adequação – eticamente falando, claro.

Os limites à utilização de novos métodos, tratamentos e aplicações tecnológicas sublinham a necessidade de uma abordagem multidisciplinar que possa apoiar a conceção de políticas públicas, guiar o debate político e as soluções legislativas e regulatórias. Sem surpresas, a pandemia veio agudizar realidade – vejamos, por exemplo, o desenvolvimento acelerado de vacinas e terapêuticas, a utilização abrangente de aplicações de rastreio como meio de controlo de saúde pública, o recurso exponencial à telemedicina.

O que deve, então, orientar a nossa ação e o nosso debate? São os direitos humanos. Os direitos humanos e liberdades fundamentais são aquilo que deve estar no centro do debate quando colocamos em confronto o desenvolvimento e o seu potencial impacto na vida humana, na sociedade e no planeta. É aí que reside a resposta a muitas das nossas muito complexas questões quando procuramos ajuizar da "legitimidade" e da "bondade" de um avanço científico em particular. Esse avanço melhora a vida humana e o bem-estar? Será ele compatível com os direitos humanos de todos os envolvidos? Respeita os limites éticos que se impõem à intervenção na natureza e no corpo humano? Promove a sustentabilidade?

Desenhar os limites do progresso não é tarefa simples e pode parecer até contraintuitivo. É por isto que o papel da bioética é tão essencial nas nossas sociedades. Esta é, senhoras e senhores, a vossa tarefa enquanto peritos em bioética: estudar, refletir e aconselhar aqueles que estão a tomar as decisões que terão, no fim de contas, impacto em todos nós.

Conheço a tensão que existe entre as dimensões da ética e dos direitos humanos. Não pretendo aqui resolver essas tensões e também não pretendo fazer a apologia de uma ou de outra. No entanto, enquanto representante eleito e, como tal, legislador, e tendo estado em funções executivas muitos anos, aquilo que me preocupa verdadeiramente é a relação entre o progresso nas ciências da vida e a forma como este melhora o bem-estar, a saúde e a prestação de cuidados, a vida no geral; é a forma como promove, ou não, as liberdades e escolhas individuais; é a forma como impacta sobre a vida na terra. Mais do que perguntar "até onde devemos (tecnologicamente) ir?", prefiro ocupar-me das noções de necessidade moral e de justiça, que são chave em direitos humanos.

Perdoem, portanto, se abordo esta temática de uma forma que possa parecer simplista para alguns de vós. Não é, como, aliás, o foco desta Cimeira claramente ilustra ao sublinhar a importância da educação para a saúde, o envolvimento da sociedade e a responsabilidade social como meios de promoção de saúde pública. Estas matérias não são exclusivas de peritos, políticos e decisores. Elas pertencem à esfera pública. Elas não são apenas objeto de debate científico e filosófico, são antes objeto de um debate social de que a ciência e a filosofia são parte.

Isto é tão mais importante quanto todos estes problemas são hoje, potencialmente, problemas globais. É por isso mesmo que estes encontros são fundamentais não só para a partilha de experiências, mas para que se possa alcançar algum tipo de entendimento comum e abrangente sobre questões que todas as nossas sociedades vão enfrentando. E isto é fundamental para informar o debate sobre a dimensão social, jurídica e ambiental dos progressos e avanços científicos aplicados às ciências da vida.

Na verdade, os Estados – os seus governos, os seus legisladores, as suas administrações – carecem do conselho e do conhecimento dos comités de bioética para garantirem que as decisões são tomadas de acordo com os melhores padrões de conhecimento e ponderada reflexão de peritos independentes.

Eu acredito que a solução que Portugal encontrou para enquadrar o funcionamento e a organização do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida é particularmente feliz. O CNECV, dirigido atualmente por Maria do Céu Patrão Neves, uma pessoa que combina, aliás, o conhecimento técnico e a experiência política, tendo sido deputada ao Parlamento Europeu, é absolutamente independente. Integra personalidades nomeadas pelo Parlamento, pelo Governo, bem como pela Academia e as ordens profissionais e científicas. O seu Presidente é eleito entre os seus pares. E, desde 2009, o CNECV funciona na órbita do Parlamento (antes encontrava-se na alçada do governo). Está, portanto, dotado de capacidade para agir, emitir opiniões e recomendações de forma independente do poder executivo.

Por outro lado, faz absoluto sentido que tenha "migrado" para o Parlamento. O Parlamento é, em primeira análise, quem melhor representa a pluralidade e a diversidade da nossa sociedade; segundo, o Parlamento é o principal legislador e precisa de apoio em matérias muito complexas acerca da vida e da ciência sobre as quais se debruça; terceiro, o Parlamento é o guardião dos direitos e liberdades – o que me traz de volta ao meu ponto central!

Portanto, senhoras e senhores, o trabalho que desempenham é de suma importância para nós, no apoio ao desenho de políticas públicas, na forma como as nossas sociedades reagem e se adaptam aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos.

Desejo a todos uma boa Cimeira Global.

Obrigado pela vossa atenção.

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VERSÃO EN

 

Ladies and Gentlemen,

I am delighted to be part of this Global Summit and let me start by wishing you a fruitful conference.

Your agenda is indeed interesting, timely and complex (as ethics normally is!).

The last few decades have seen an extraordinary technological development and advance, especially in many healthcare domains. It is a given that these developments are met with equally significant questions with regards to the extent of their use, their impact and adequacy – ethically speaking, naturally.

Limits and boundaries to the use of such new methods, treatments and applications emphasise the need for a multidisciplinary approach to best advise the making of public policy, guiding the political debate and the legislative and regulatory solutions. To no surprise, the Covid-19 pandemic has only come to heighten this reality – look for instance at the accelerated pace of vaccine and medicine development, the amplified use of tracing apps as a public health means, the expanded use of telemedicine.

What should then guide our action, our discussions? Human rights. Human rights and freedoms are what should be at the core of the debate when confronting development and its supposed impact on human life, society, and the planet. And there resides the answer to our many, ever so complex questions when judging the "legitimacy" and "goodness" of specific scientific advances. Do they improve human life and wellbeing? Are they compatible with the human rights and freedoms of all involved? Do they respect the ethical limits to the technological intervention in nature and human body? Do they promote sustainability?

This is no simple task and setting the limits on progress may indeed seem counterintuitive. This is why the role of bioethics is so essential in our societies. This is, ladies and gentlemen, your task as bioethics experts: to study, ponder and advise those who are making decisions that impact on us all.

I am well aware of the tension there could be between the bioethics and human rights approaches. I am not concerned here with solving those tensions, nor am I making a stance for one or the other. However, as an elected member of Parliament and therefore a lawmaker, and having been in an executive role for many years, what concerns me is really the relationship between progress in life sciences and the way in which it improves wellbeing, healthcare, life as a whole; how it promotes individual freedoms and life choices; how it impacts life on earth. More than asking "how far could and should we, technically, go?", I am concerned with the notions of moral necessity and justice and those are key to human rights.

So, please excuse if I address this issue in a way that may seem simplistic to some of you. It isn't, as indeed the focus of this Summit shows so very clearly, namely by emphasising the importance of health education, public engagement and social responsibility as means of promotion of public health. These matters do not concern only experts, politicians, and decision makers, they rather belong in the public sphere. They are not only an issue for a scientific or philosophical debate, they are indeed an issue for social debate of which science and philosophy are a part.

This, I believe, is ever so important as all problems are, today, potential global problems. This is actually why these gatherings are key, not only to share experiences, but to reach some sort of comprehensive understanding of the issues that all our societies are facing. And that is, in itself, critical to assist in discussions over the social, legal and environmental dimensions of changes brought about scientific developments applied to life sciences.

In truth, states – their governments, their lawmakers, their administrations – need the advice and expertise of bioethics committees to make sure decisions are made according to the best standard of knowledge and pondered reflection by independent experts. And it is crucial that these experts come from multiple disciplinary fields, free from pressure of any group or interests.

I believe that the solution Portugal found for the organisational set up of our National Council of Ethics for the Life Sciences is particularly fortunate. The Council, led today by Maria do Céu Patrão Neves, who combines technical expertise and political experience as a Member of Parliament, is of course fully independent. It comprises personalities appointed by the Parliament, the Government, and by the Academia and professional and scientific bodies. Its President is elected by its peers. And since 2009 it functions next to the Parliament (whereas before, it was in the government's sphere). So, independent capacity to act and issue opinions and recommendations also means independence from executive power.

On the other hand, it makes absolute sense for it to have "migrated" to Parliament. The Parliament, in the first instance, embodies the plurality and diversity of our society; second, it this the main legislator, and needs to be assisted in complex matters it deals with, concerning life and science; third, the Parliament is the guarantor of rights and freedoms – which brings me back to my central point!

So, ladies and gentlemen, your work is of great importance to us, to assist policy making, support and enact changes to the way our society functions in the face of development in scientific and technological progress. I wish you a good Global Summit.

Thank you for your attention.