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Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na Sessão de Abertura do Ano Judicial


20 de abril de 2022

 

Nesta primeira participação numa sessão solene de abertura do ano judicial, na qualidade de Presidente da Assembleia da República, começo por saudar todas as autoridades e órgãos judiciais, a quem asseguro a melhor cooperação institucional, no respeito escrupuloso pelas competências próprias e impulsionando a convergência de esforços para a administração célere da justiça.

Nos termos constitucionais, a garantia do acesso de todos ao direito e aos tribunais, assim como ao patrocínio judiciário, a independência dos tribunais, a autonomia do Ministério Público e a ação da Provedora de Justiça representam, entre outros, fatores essenciais para a prossecução de uma das tarefas fundamentais do Estado, qual seja "garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático".

Citarei novamente a Constituição da República Portuguesa para assinalar a comum vinculação que o Parlamento e que os Tribunais incorporam face ao conjunto dos cidadãos: de um lado, "os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo"; do outro lado, "a Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses". No exercício das respetivas missões, assumindo o Parlamento, além da fiscalização e escrutínio dos atos do Governo e da Administração, o poder legislativo e cumprindo aos tribunais o poder de julgar, ambos estes órgãos de soberania, obedecendo à regra da separação e interdependência dos poderes, servem a cidadania.

A ideia matricial de vinculação à cidadania é o que gostaria hoje de enfatizar, para retirar, das suas várias consequências, uma que me parece particularmente atual.

No Estado de direito, a clareza há de ser uma virtude essencial da lei, a qual, elaborada pelos legisladores, interpretada e aplicada pelos magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público e os advogados, deve ser bem compreendida por todos, nomeadamente e tanto quanto possível, pelos titulares dos direitos e liberdades, isto é, as pessoas.

Falo de clareza em sentido pleno, que a associa a rigor e a simplicidade. As normas da lei devem almejar a exatidão na definição dos propósitos que prosseguem, na explicitação dos fundamentos que invocam, na afinação das regras e sanções que estatuem. E devem afastar-se de quaisquer complicações desnecessárias, intervindo onde seja estritamente indispensável agir juridicamente e na medida precisa da indispensabilidade, não pretendendo esgotar toda a regulação social e, pelo contrário, deixando espaço de respiração à rica diversidade das interações que têm curso nas sociedades modernas. 

Neste sentido, creio adequado dizer-se que a clareza da lei é um requisito da sua boa aplicação, designadamente pelos tribunais, em todos os ramos do direito. Uma lei enxuta, concisa, legível, e peças processuais igualmente claras, além de alinhadas com o nosso tempo, são condições, se não necessárias, pelo menos muito favoráveis para que a justiça, administrada em nome do povo, seja inteligível pela opinião pública e seja eficaz para assegurar a qualquer pessoa a possibilidade de a ela recorrer, para defender direitos e interesses legalmente protegidos.

A clareza das normas é também um elemento essencial da segurança jurídica indispensável ao funcionamento da economia e ao desempenho da administração pública. Leis e decisões judiciais claras representam um meio poderosíssimo para induzir a confiança nos contratos, agilizar procedimentos e diminuir burocracias, prevenir e combater a corrupção, facilitar o acesso à justiça e imprimir celeridade na sua administração. Geram, além do mais, substanciais reduções dos custos de contexto na realização de investimentos e enormes poupanças na despesa das famílias, das empresas e do Estado.

Temos mesmo de avançar, em conjunto, no esforço de tornar as leis mais rigorosas, mais simples e mais compreensíveis. Em Portugal como na Europa, vários programas submetidos ao propósito de "legislar melhor" têm produzido já melhorias concretas. Lembre-se, apenas como exemplo, o sucesso obtido na operação de limpeza do nosso ordenamento jurídico de inúmeros diplomas já caducos.

Mas muito resta ainda por fazer. O que eu quero hoje, aqui, dizer a todos os operadores judiciários, é que me empenharei para que o Parlamento faça, nesta tarefa de todos, a sua parte – que, enquanto a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, na pluralidade e diversidade dos interesses e ideias, e enquanto o legislador por excelência, o Parlamento produza leis claras, tão simples quanto possível, compreensíveis por todos.

O que não é tarefa pouca, ou menor, bem pelo contrário. O poder legislativo deve ponderar cuidadosamente a pertinência, o impacto e a eficácia das leis que entende dever aprovar, de modo a evitar normas redundantes, impertinentes ou desnecessárias. Deve distinguir nitidamente o que é matéria fundamental e, por conseguinte, constar da lei e o que não é, e há de ser deixado para os diplomas de regulamentação. Deve acautelar bastante mais a qualidade da redação das leis, de maneira a evitar a inclusão de normas deficientes, obscuras ou contraditórias entre si, que por isso mesmo possam permitir interpretações abusivas, contrárias aos propósitos pretendidos, ou trazer incerteza e dificuldades injustificadas à atividade das pessoas singulares ou coletivas e ao trabalho de magistrados e advogados. 

Naturalmente, esta não é a única área relevante de convergência e cooperação interinstitucional entre o Parlamento e os operadores judiciários. Muitas outras poderia e acaso deveria referir, tão densa e profícua é a interação entre a Assembleia da República, a Provedora de Justiça, os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, o Tribunal de Contas e outros órgãos judiciais. Mas creio poder dizer que a importância da questão da clareza e do rigor jurídico, no ambiente social e económico que vivemos, merece que a singularize.

Exprimindo este propósito de contribuir para a compreensibilidade das leis, a começar, naturalmente, por todos os operadores da justiça, mas passando também pelas pessoas comuns, estou certo de que posso falar em nome de todas as senhoras e senhores Deputados.

Muito obrigado.