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Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva1, na tomada de posse do Secretário-Geral da Assembleia da República, Assembleia da República

19 de maio de 2022


I

Sr. Secretário-Geral, agora empossado, desejo-lhe os maiores êxitos para mais um mandato à frente da Assembleia da República enquanto organização. Permita-me que lembre a minha própria experiência profissional para dizer que o lugar de V. Ex.ª pode ser descrito, na clássica teoria das organizações, como o vértice estratégico da organização que apoia o trabalho parlamentar, à frente da sua linha hierárquica e do seu centro operacional.

A Assembleia da República pode ser, de facto, descrita como uma organização, mas é uma organização muito particular. A organização de que o Secretário-Geral é o responsável número um tem como serviço e missão fundamentais servir a Assembleia da República enquanto instituição.

A Assembleia da República é uma das instituições centrais da democracia portuguesa. É o espaço por excelência da representação dos portugueses na sua diversidade e na sua pluralidade e é o centro fundamental do debate político formalizado e estruturado no nosso País, além de ser o legislador por excelência, de ter a muito importante função de fiscalizar e escrutinar os atos do Governo e da administração, e de ter uma interlocução com os demais órgãos de soberania, respeitando o que diz a Constituição, ou seja, que os órgãos de soberania são separados e interdependentes.

A minha responsabilidade como Presidente da Assembleia da República é justamente a de garantir que estas duas vertentes — a Assembleia da República enquanto instituição e a Assembleia da República enquanto organização — casam e combinam bem entre si, o que tem certas consequências.

Sendo a missão fundamental da organização da Assembleia da República servir a instituição Assembleia da República, toda essa organização pode ser descrita como um serviço de suporte da instituição Assembleia da República.

Enquanto organização, o corpo profissional dos funcionários e dos serviços da Assembleia da República tem características muito específicas, sendo um corpo fortemente profissionalizado e que a teoria das organizações descreveria, sem nenhum outro sentido que não apenas descritivo, como uma «burocracia profissional». É também um corpo politicamente independente, mas não politicamente indiferente. Esta é uma confusão que, por vezes, se faz em Portugal e que importa sempre contrariar. A independência política, que é um requisito básico do funcionamento de estruturas profissionais como os serviços da Assembleia da República, para ser exercida plenamente, implica, ao mesmo tempo, uma participação profissional nas tomadas de decisão e no debate político. Portanto, ser independente é o contrário de ser indiferente.

Por sua vez, há influências que a Assembleia da República enquanto organização recebe da Assembleia da República enquanto instituição. Em primeiro lugar, enquanto instituição, somos muito exigentes face à estrutura organizacional que nos serve. Em segundo lugar, estamos sempre a pedir à estrutura organizacional que nos serve que se adapte, ela própria, à nossa vida quotidiana do ponto de vista político e ao dinamismo e versatilidade que lhe são consubstanciais. Em terceiro lugar, como a instituição Assembleia da República é sujeita permanentemente — e felizmente! — ao escrutínio público, quer ao escrutínio dos cidadãos como tais, quer ao escrutínio dos meios de comunicação social, esse escrutínio, naturalmente, estende-se também à forma como nos organizamos e funcionamos.

 

II

A renovação do seu mandato, Sr. Secretário-Geral, tem três razões de ser fundamentais: a confiança do Presidente da Assembleia da República na sua pessoa em concreto; uma opção clara e afirmada pela estabilidade e continuidade da estrutura organizacional que serve as Sr.as e os Srs. Deputados; e uma aposta no desenvolvimento incremental da organização Assembleia da República.

Não creio que tenhamos de fazer nenhuma rutura, nem creio que tenhamos de fazer nenhuma mudança paradigmática. Devemos prosseguir o trabalho que temos realizado e a lógica do nosso desenvolvimento organizacional deve ser, justamente, uma lógica incremental.

O Sr. Secretário-Geral já elencou bem as tarefas que tem pela frente do ponto de vista da organização. A única coisa que tenho a dizer é que contará com todo o apoio, não só de mim próprio, como das Sr.as e dos Srs. Deputados dos diferentes grupos parlamentares, na realização dessas tarefas. Permita-me apenas acrescentar a tudo o que disse uma palavra de agradecimento, em meu nome e em nome das Sr.as e dos Srs. Deputados, a todos os funcionários e serviços da Assembleia da República, pela maneira excecional como agiram durante a pandemia e assim preservaram a totalidade das condições de funcionamento do Parlamento.

A tudo o que o Sr. Secretário-Geral já disse do ponto de vista da organização, queria acrescentar mais outras tarefas do ponto de vista da instituição. Fá-lo-ei em várias dimensões até chegar a uma dúzia de tarefas para as quais julgo que a instituição Assembleia da República precisa de 100% do empenhamento e da performatividade da organização Assembleia da República.

 

1. Assim, numa primeira dimensão, a tarefa é aperfeiçoar as estruturas logísticas e os serviços de apoio ao trabalho das Sr.as e dos Srs. Deputados. Para isso, precisamos de ir caminhando em direção a uma meta de zero erros, em alguns aspetos que podem ser parcelares ou setoriais, mas que são de uma enorme visibilidade pública. Sei que essa meta é inalcançável como tal, mas sugiro que usemos a figura geométrica da assíntota e nos proponhamos fazer uma aproximação assintótica dessa meta dos zero erros, designadamente no que diz respeito à utilização de serviços muito sofisticados e muito úteis como o das votações eletrónicas, em relação aos quais devemos ter como objetivo que não ocorra qualquer incidente.

Outros aspetos poderiam ser focados, mas julgo que esta lógica de aproximação assintótica à ideia de zero erros no funcionamento dos serviços de apoio e das estruturas logísticas deve ser, para nós, uma ambição e também uma orientação.

Ainda nesta dimensão, precisamos de tomar decisões - para as quais necessitamos, naturalmente, do estudo, da preparação e do conselho técnico da nossa estrutura organizacional - em relação a aspetos cruciais para a atividade das Sr.as e dos Srs. Deputados e das comissões parlamentares permanentes. Uma dessas decisões diz respeito às condições de trabalho das comissões permanentes, nomeadamente no que concerne à capacidade das salas, para que todas e todos os Deputados, efetivos ou suplentes, que queiram participar nas atividades das respetivas comissões, como é seu direito e dever, o possam fazer em condições de dignidade e operacionalmente corretas e úteis.

A segunda grande tarefa que temos pela frente, também no que diz respeito a estas condições de apoio ao trabalho dos Deputados, tem que ver com a necessidade que sentimos de contornar os efeitos negativos para nós decorrentes da extinção dos governos civis, encontrando uma alternativa para que as Deputadas e os Deputados possam receber nos seus círculos as cidadãs e os cidadãos que com eles queiram falar ou com os quais eles queiram falar.

Portanto, do ponto de vista logístico, situando-me na perspetiva das necessidades que a instituição pode reportar à organização, diria que estas três tarefas me parecem muito importantes: aproximarmo-nos de zero erros, designadamente no funcionamento do sistema de votações eletrónicas; caminharmos progressivamente para que todas as comissões parlamentares permanentes disponham de instalações e meios físicos para a sua atividade em pleno; e procurar que as Deputadas e os Deputados possam exercer o seu dever de contacto com o eleitorado, em instalações dignas e disponíveis.

 

2. Há uma segunda dimensão, relativa à qualidade do processo legislativo, na qual nós, as Deputadas e os Deputados, muito beneficiamos do trabalho dos serviços da Assembleia. Ao longo do processo legislativo, a contribuição técnica dos serviços é utilíssima, com as notas de admissibilidade, as notas técnicas e as análises de direito comparado, além da disponibilidade de documentação, na preparação do debate na generalidade; com todo o trabalho de acompanhamento da discussão em sede de especialidade; e até, finalmente, à redação final.

Como as Sr.as e os Srs. Deputados sabem, prometi, na abertura do ano judicial, que a Assembleia da República velaria cada vez mais pela clareza das leis que produz. Para que essa clareza das leis que produzimos seja alcançada — clareza no sentido que, então, utilizei, de rigor, de parcimónia, de simplicidade e de compreensibilidade —, é muito importante o contributo técnico dos serviços da Assembleia, que nos podem alertar tempestivamente de qualquer dificuldade ou de qualquer deficiência que possamos, nós próprios, no exercício do papel legislativo, suprir.

Portanto, há uma outra tarefa na qual creio que todos devemos envolver-nos, que é a melhoria do nosso próprio sistema de qualidade no que diz respeito ao processo legislativo.

Isto que se diz em relação ao trabalho das Deputadas e dos Deputados pode também ser dito, com as adaptações necessárias, em relação às iniciativas que a Assembleia da República recebe de grupos de cidadãos, assumam essas iniciativas a forma de petições ou a forma de projetos de natureza legislativa. Nestes casos, julgo que há uma pedagogia a fazer em relação aos cidadãos e às entidades que, no exercício dos direitos que a lei lhes confere, participam no processo legislativo, no sentido de aperfeiçoar não apenas o processo de tratamento dessas iniciativas na Assembleia, mas também a própria forma da sua apresentação.

 

3. Uma terceira dimensão muito importante, que é também exigente para a estrutura organizacional da Assembleia da República, é a que diz respeito à interação com as entidades administrativas independentes, que funcionam junto da Assembleia da República, muitas delas beneficiando, aliás, de legitimidade reforçada, em função dos modos de designação ou de eleição que a lei prevê, com intervenção determinante do Parlamento.

O meu apelo pode ser dito de forma muito simples: devemos ser tão performativos no apoio às entidades que criámos como avarentos na criação de novas entidades. Creio que a combinação entre sobriedade e proficiência é a combinação de que precisamos para ter as entidades administrativas independentes estritamente indispensáveis a uma democracia moderna como é a portuguesa e, ao mesmo tempo, para ter as condições logísticas e organizacionais de apoio de que essas entidades necessitam para cumprir plenamente as suas atribuições e competências.

 

4. No que diz respeito à dimensão das relações europeias e internacionais, creio que temos uma boa tradição e boas capacidades na nossa estrutura organizacional, de que as Sr.as e Srs. Deputados e eu próprio muito beneficiamos. Aí, como os próprios serviços já sabem, a minha ambição é muito simples, pode ser explicada de forma igualmente clara e obedece mais uma vez à lógica de desenvolvimento incremental. Trata-se de reforçar a cooperação. Penso que podemos estender o nosso programa de cooperação no âmbito dos países membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Foi isso, aliás, que propusemos ao Brasil — que é o único país com o qual não temos ainda protocolo de cooperação — e que as autoridades brasileiras aceitaram. E podemos ainda progredir na intensificação ou robustecimento dos quadros de cooperação parlamentar que já temos no âmbito da CPLP.

 

5. A Assembleia da República tem um importante programa de natureza cultural — através das edições, das exposições, do centro de documentação, da biblioteca, do arquivo, etc. —, um programa que concebo como a concretização do nosso dever de cuidado pelo acervo da democracia. Neste domínio, o que creio que temos de fazer não é inventar a roda, não é mudar o paradigma, mas desenvolver o que já fazemos, com a preocupação de que este programa cultural, no sentido lato do termo — edições, publicações, exposições, artes do palco, artes visuais, arquivo, documentação e biblioteca —, ganhe mais coerência. Uma coerência que seja ditada por nós e não apenas pela reação a pedidos exógenos que nos fazem (e dos quais certamente beneficiamos).

 

6. Há um elemento muito interessante, do ponto de vista institucional de que parto, que é a cooperação da Assembleia da República com as assembleias legislativas regionais. Há, até, a tradição dos encontros de quadros parlamentares que, por razões que, julgo, terão a ver com a pandemia, não se têm realizado nos últimos anos, embora a previsão fosse a de encontros anuais.

Os srs. Deputados das Regiões Autónomas já estão a acenar afirmativamente e, portanto, já temos o seu apoio para retomar essas formas de cooperação nos dois sentidos — entre a Assembleia da República e as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas — porque, mais uma vez, para a instituição Assembleia da República, as Regiões Autónomas e a autonomia regional são um ingrediente essencial e incontornável da democracia portuguesa.

 

7. Na dimensão que queria, de seguida, salientar, e é a última da minha lista, quero pôr em relevo as questões de comunicação pública. Quero valorizar o Parlamento dos Jovens; as iniciativas que trazem a territorialidade — a integralidade territorial do País — para dentro da Assembleia da República, isto é, as iniciativas que nos permitem valorizar o que o País é, em todo o seu território; e ainda iniciativas como as portas abertas, as visitas guiadas, o trabalho com escolas, etc. Mais uma vez, trata-se de melhorar a nossa capacidade de conceber tudo isto de um ponto de vista sistémico e programático.

Tal pode ser feito de duas maneiras: primeiro, sendo a Assembleia da República um ator central na educação para a cidadania em Portugal, em particular junto das jovens gerações; e, por outro lado, permitindo que a apropriação cidadã do Parlamento — a apropriação do Parlamento, pelas pessoas, como a sua casa — possa também progredir. Estas tarefas, a educação para a cidadania e a apropriação cidadã do Parlamento, fecham o meu caderno de encargos.

 

III

Insisto: V. Ex.ª, Sr. Secretário-Geral, é o vértice estratégico da estrutura organizacional Assembleia da República, sem a qual a instituição Assembleia da República não existiria. A missão fundamental dessa organização é servir a instituição Assembleia da República e, para isso, tem de ser capaz, dotada, eficiente. Por isso, todas aquelas necessidades e projetos que V.ª Ex.ª identificou contarão, para a sua realização, com o empenhamento de todas e de todos os Deputados e do Presidente da Assembleia.

Da minha parte, aqui deixo uma pequena e modesta proposta para que a solidez e a proficiência da estrutura organizacional continue a servir, e sirva cada vez melhor, a Assembleia da República e, portanto, a democracia portuguesa.

Muito obrigado.

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 [1] - Transcrição da intervenção oral, revista pelo autor.