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Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na receção aos chefes de Missão Diplomática Portuguesa, por ocasião do Seminário Diplomático 2023


A ação do Parlamento e a política externa portuguesa

Augusto Santos Silva

Presidente da Assembleia da República

 

1.      O Parlamento e a política externa

Depois de vários anos em que pude participar, como membro do Governo, nesta cerimónia sempre calorosa de receção parlamentar aos diplomatas portugueses, beneficiando da sageza e encomendações do Presidente Eduardo Ferro Rodrigues, eis que as circunstâncias me fazem mudar de papel, cabendo-me agora dirigir-me a todos, em nome da Assembleia da República, para a todos agradecer pelo trabalho em prol dos interesses nacionais, desejando um ótimo ano de 2023, nos planos profissional e pessoal [1].

Por ser a primeira vez que o faço, permiti-me que ultrapasse o registo protocolar, entrando um pouco em matéria. É que tem crescido, nos tempos recentes, a dimensão externa da ação do Parlamento; e há indicações de que a tendência venha a intensificar-se no próximo futuro.

Em muitos aspetos, ela cruza-se com a nossa política externa, convindo, portanto, que isso signifique o reforço de dois princípios básicos há muito seguidos no nosso país e que não têm contribuído de somenos para a relevância do seu posicionamento geopolítico: de um lado, a convergência e unidade entre os diversos órgãos de soberania no que toca às grandes orientações e prioridades nacionais, assim as tornando mais estáveis e contínuas; do outro, a plena consciência de que, sem prejuízo das competências exclusivas de outros órgãos e da regra geral de informação e concertação recíproca, é ao Governo que compete conduzir a política externa, em sentido lato, isto é, quer nos assuntos europeus quer nas relações internacionais.

 

2.      Parlamento e Governo

Comecemos por assinalar, sem grande minúcia conceptual, as esferas de intervenção da Assembleia em que esta encontra diretamente o escalão político e técnico do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a rede diplomática e consular.

A primeira decorre do facto de quatro deputados serem eleitos pelos dois círculos chamados da emigração: Europa e Fora da Europa. Embora, à luz da Constituição, qualquer deputado represente o conjunto do país e, portanto, todos os 230 parlamentares representem as comunidades que vivem no estrangeiro, a verdade é que a deputada e os deputados eleitos por aqueles círculos dispõem de uma legitimidade política própria, de uma sensibilidade acrescida aos problemas e anseios das comunidades e de canais específicos de contacto com as pessoas, as associações e as autoridades locais; e isso constitui uma enorme riqueza, não só para a Assembleia enquanto tal como para todos os órgãos de soberania.

Em segundo lugar, o Parlamento tem importantes competências deliberativas na área da política externa, de que me permito salientar a competência exclusiva de aprovação dos acordos e tratados internacionais que o Governo lhe submeta – condição indispensável para que o Presidente da República possa subsequentemente ratificá-los – e a produção de resoluções com recomendações ao Governo, em ambos os casos fazendo valer a circunstância de ser o lugar por excelência do debate político, plural e multipartidário.

Autonomizaria como terceira esfera de intervenção, dada a sua especificidade e centralidade, a função parlamentar de acompanhamento, escrutínio e fiscalização do Governo e da administração. Dentro do princípio geral da responsabilidade política do Governo perante a Assembleia, e nos moldes específicos que a publicidade, a transparência e a prestação de contas assumem nas questões atinentes às relações entre Estados e com organizações internacionais, a forma como o primeiro-ministro, o ministro dos Negócios Estrangeiros e os secretários de Estado respetivos conduzem a política externa e europeia não pode deixar de ser objeto sistemático de debate e controlo por parte das várias bancadas e do Parlamento no seu todo. No registo próprio e salvaguardando o sentido da hierarquia, os chefes de missões diplomáticas beneficiam de igual atitude de atenção e acompanhamento.

Finalmente, o caso particular dos assuntos europeus – onde, como sabemos, as dimensões interna e externa se combinam e entrecruzam tantas vezes. Depois do Tratado de Lisboa, saiu reforçado o papel dos parlamentos nacionais na interação com as instituições europeias, em particular com o Parlamento Europeu. Muitas decisões requerem a prévia pronúncia dos deputados nacionais, obrigatória nas áreas que constitucionalmente lhes estão reservadas; e eles podem também emitir recomendações e alertas, nomeadamente através do chamado cartão amarelo, laranja ou vermelho, quando esteja em causa a aplicação dos princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade. Já se institucionalizou a cooperação entre as comissões parlamentares de assuntos europeus dos vários Estados-membros, nomeadamente através da COSAC, a conferência dos órgãos especializados em assuntos da União nos parlamentos nacionais. E, desde as revisões constitucionais de 1992 e de 1997, ficou explicitado o modo como o Parlamento acompanha o processo de construção europeia, codificado desde 2006 na Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no Âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Do ponto de vista político, vale a pena destacar o facto de cada reunião do Conselho Europeu ser obrigatoriamente antecedida por debate em sessão plenária com o primeiro-ministro e sucedida pela apresentação das conclusões, em comissão, pelo Governo; de as prioridades de cada presidência rotativa do Conselho serem também examinadas em plenário, assim como o relatório anual do Governo sobre a participação de Portugal na União, a participação na Cooperação Estruturada Permanente e os instrumentos de governação económica que integram o Semestre Europeu;   de ocorrer, ainda em plenário, um debate sobre o estado da União, imediatamente após aquele realizado no Parlamento Europeu; e, por fim, de o programa de trabalho da Comissão Europeia ser obrigatoriamente apreciado com presença do Governo, na comissão parlamentar competente.  

 

3.      A ação externa própria do Parlamento

A ação externa da Assembleia não se esgota, porém, nesta relação direta com o Governo, a propósito de temas da política das comunidades, da política internacional ou da política europeia. Para além de exercer as competências de apreciação das propostas do executivo e de acompanhar e fiscalizar a sua atividade, bem como, indiretamente e de acordo com prioridades definidas, seguir o labor da rede diplomática, o Parlamento desenvolve muitas outras tarefas com impacto externo.

A Assembleia da República aborda questões de atualidade, seja em quadro bilateral seja no multilateral, que digam respeito especificamente à União Europeia ou à comunidade internacional. Seleciona e enuncia tais questões, debate-as em plenário ou comissão, e muitas vezes chega a pronunciamentos sobre elas, designadamente sob a forma de votos de saudação ou de protesto e de resoluções.

A Assembleia da República participa sistematicamente nas organizações parlamentares internacionais e, desde logo, na União Interparlamentar, e nas assembleias parlamentares de organizações internacionais como a CPLP, a NATO, o Conselho da Europa, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a União para o Mediterrâneo, assim como no Fórum Parlamentar Ibero-americano e na Assembleia Parlamentar do Mediterrâneo. Aí defende os interesses e as posições do nosso país, tal como decorrem da doutrina consolidada, beneficiam de consenso interpartidário ou são explicitados em deliberações do próprio Parlamento – sendo que, felizmente, estes planos convergem quase sempre. Aí apresenta também os contributos nacionais, unos ou plurais, para os trabalhos e agendas dessas organizações. Cultiva também contactos com representações em Lisboa de entidades como o Conselho da Europa (e o seu Centro Norte-Sul), o Parlamento Europeu ou a Comissão Europeia. E dedica grupos próprios ao seguimento de matérias multilaterais, como o Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento.

A Assembleia da República colabora com as congéneres, dentro e fora da União Europeia. Mantém memorandos de entendimento e protocolos de cooperação (designadamente com Argélia, China, Itália, Marrocos, Qatar, República da Coreia, Sérvia e Uruguai), através dos quais cultiva laços com países que apresentam afinidades, de vária ordem, com Portugal, e propicia o intercâmbio de informações, experiências e pontos de vista pertinentes para os vários eixos da função parlamentar. Organiza grupos parlamentares de amizade – nesta legislatura, em número de 59 – cuja atividade extravasa a relação interparlamentar propriamente dita, visto que tipicamente inclui contactos com as embaixadas e através das embaixadas, com autoridades, com meios económicos e culturais. E, no caso particular de Espanha, a interação faz-se, desde 2009, no formato de um Fórum Parlamentar, quer dizer, inclui encontros entre delegações dos respetivos órgãos legislativos, presididas pelos respetivos presidentes, que reúnem à cadência e em antecipação das cimeiras governamentais.

Entre os países afins, avultam aqueles com que partilhamos a língua, designadamente Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste. A atividade de cooperação da Assembleia da República junto de Parlamentos de língua portuguesa teve início na década de 1990, através da negociação e assinatura de protocolos de cooperação, com a vigência de quatro anos e renováveis por idênticos períodos. Estes concretizam-se através de programas de cooperação trienais (também renováveis), os quais têm uma componente política, de contacto entre deputados, e técnica, com colaboração entre serviços. Estes programas de cooperação bilateral têm aproveitado a ambas as partes: contribuem para a consolidação institucional das assembleias representativas dos PALOP e de Timor, melhorando e modernizando as suas estruturas técnicas, recursos humanos e métodos de trabalho; e permitem a Portugal, além de poder partilhar a sua própria capacidade logística e formativa, compreender melhor os interesses e projetos dos parceiros, ajustando e densificando a sua relação com eles.

A Assembleia da República pontua múltiplas questões levantadas pela estrutura e dinâmica do sistema de relações internacionais e, designadamente, aquelas que, lidando com a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, a paz ou o desenvolvimento sustentável, se cruzam mais diretamente com as suas próprias competências e esfera de ação. Fá-lo de várias formas, cumulativas entre si: assinalando dias internacionais, designadamente, a 27 de janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, a 25 de novembro, o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres ou, a 10 de dezembro, o Dia Internacional (e, por resolução do nosso Parlamento, de 1998, Dia Nacional) dos Direitos Humanos; realizando exposições, colóquios ou edições que valorizem temáticas centrais na intervenção global de Portugal, como, nomeadamente, a abolição da pena de morte, a liberdade de imprensa ou o direito internacional humanitário.

Finalmente, pela sua ação, articulada com a de outros órgãos de soberania e, quando pertinente, com estruturas do Estado e da sociedade civil, a Assembleia da República contribui para a afirmação e a projeção global de escolhas, recursos ou alinhamentos normativos, institucionais e práticos nacionais. Refiro-me, nomeadamente, à língua portuguesa (e à celebração, em cada 5 de maio, do seu Dia Mundial), às Forças Armadas e às forças nacionais destacadas em diferentes teatros de operações (assim como às forças de segurança integrantes de missões da União Europeia ou das Nações Unidas), ou às diversas efemérides que assinalam a diáspora portuguesa pelo mundo.

 

4.      O valor acrescentado do Parlamento

Como se vê, a ação externa do Parlamento é uma parte relevante do seu trabalho, tem uma dimensão significativa e óbvios pontos de articulação quer com a ação de outros órgãos de soberania quer, especificamente, com a política externa tal como é definida pelo Governo e coordenada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. É, pois, um dos casos em que se deve levar bem a sério o artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa, o qual recorda que "os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição".

Separação e interdependência: cada órgão com a sua legitimidade, as suas missões e maneiras próprias de proceder, beneficiando do labor dos outros e contribuindo, por sua vez, para o todo.

Neste quadro, não me parece difícil sistematizar o valor acrescentado pela ação externa da Assembleia da República ao conjunto da política externa (em assuntos europeus e internacionais) de Portugal.

A Assembleia exprime (a) o consenso interpartidário sobre as grandes orientações e escolhas geopolíticas do país e (b) a pluralidade e diversidade de perspetivas, opiniões e propostas que sobre elas, a partir delas ou até contra elas se formam. As duas coisas ao mesmo tempo e ambas indispensáveis, exatamente porque o que distingue a democracia da ditadura é que, nesta, o consenso se gera por imposição e, naquela, o consenso nasce e sustenta-se na multiplicidade e no debate. Mas, por exemplo, sempre que uma ou um Chefe de Estado em visita a Portugal é recebido no Palácio de S. Bento – pelo presidente do Parlamento acompanhado por delegação pluripartidária – pode imediatamente constatar a convergência dos partidos que ora lideram o Executivo ora lideram a Oposição (o PS e o PSD) nas grandes linhas definidoras da política externa e do relacionamento bilateral com o seu país. Essa explícita convergência dá uma força à posição nacional que o Governo, por si só, não lograria obter. O facto de, quando se desloca em visita de Estado, o Presidente da República ser acompanhado por representantes dos partidos políticos com assento parlamentar demonstra o mesmo consenso – e como, em várias matérias, ele se estende a todo ou quase todo o espetro partidário; e igual efeito está na raiz de análoga preocupação de pluralismo marcar as visitas oficiais do presidente da Assembleia da República. Isto dito, a diversidade das opiniões que se exprimem, em condições de total liberdade, nas reuniões bilaterais ou multilaterais permite também aos nossos interlocutores apreender o leque de perspetivas que, animando o espaço público, não deixam de influenciar as nossas atitudes e posicionamentos.

Não menos valiosa é a segunda componente do contributo parlamentar para o conjunto da política externa. Menos determinada pelos constrangimentos ligados às circunstâncias vividas, aos interesses conjunturais, aos equilíbrios táticos, à balança de poder, aos condicionalismos económicos ou de segurança e a outras variáveis que nenhuma política externa pode realisticamente ignorar; e menos sujeita às obliquidades, implicaturas e subentendidos do discurso diplomático, a Assembleia pode e deve acolher e ecoar, com maior liberdade, as dimensões éticas e normativas e os juízos de valor indispensáveis em relações internacionais. Um voto parlamentar de protesto contra uma situação de violação grosseira da Carta das Nações Unidas ou da Declaração Universal dos Direitos Humanos pode e deve ir mais longe do que os termos usados nas chancelarias; e o mesmo se diga de uma apreciação da natureza ou objetivos do regime político ou da ação de um Estado terceiro, a qual não há de subordinar-se necessariamente às regras explícitas e implícitas que determinam as tomadas de posição de um país em matéria de assuntos internos de outro país. Ao contrário do que por vezes pensam governos menos habituados às vantagens da democracia, isto enriquece, em vez de prejudicar, as relações bilaterais.

Não estou a declarar o Parlamento uma zona libertada de qualquer ditame de realpolitik; ele nunca deve esquecer que, para o bem e para o mal, está longe de ser uma organização não governamental. Digo que tem outra liberdade de ação que não têm o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a rede diplomática, o que constitui um recurso também para estes, se for gerido com esse sentido de separação e interdependência que os Constituintes judiciosamente nos legaram.

Já hoje a Assembleia desenvolve certas atividades de análise e prospetiva das grandes questões e tendências europeias e internacionais. Fá-lo através de debates políticos em plenário, de audições de entidades e personalidades relevantes em comissão, de estudos patrocinados e/ou editados, e muito através de colóquios e conferências que organiza ou acolhe nas suas instalações. Creio que deve fazê-lo ainda mais, tal é a importância que me parece assumir esta terceira componente do valor acrescentado parlamentar. A Comissão de Assuntos Europeus tem-se destacado neste domínio, o que tem óbvia ligação com o relevo que a prospetiva adquiriu no quotidiano das instituições europeias e com a centralidade do debate sobre o papel e a ação da Europa no mundo. Mas não é a única; basta ver o interesse que vêm demonstrando comissões parlamentares como a da Defesa Nacional, do Ambiente ou da Educação e Ciência, no que concerne as respetivas temáticas. E é também o Parlamento no seu todo que acarinha e desenvolve esta frente de trabalho. Vamos, por exemplo, em junho de 2023, servir de anfitriões à segunda conferência interparlamentar europeia sobre a relação entre as tecnologias digitais e a democracia.

Através do contacto regular e da cooperação política e/ou técnica com as congéneres, a Assembleia contribui ainda, de forma própria e insubstituível, para o aprofundamento da relação de Portugal com países que são nossos aliados, amigos, parceiros ou com os quais temos qualquer outro tipo de afinidade. Já me referi ao Fórum Parlamentar Luso-espanhol, que é atualmente a expressão mais superlativa desta interação. As visitas oficiais inscrevem-se neste quadro, tal como os grupos parlamentares de amizade e os programas de cooperação. E outras modalidades de trabalho mais intenso, ou de nível político mais elevado, à imagem do que hoje sucede com Espanha, podem pôr-se em prática com outras nações especialmente próximas. Foi, designadamente, a proposta que apresentei ao Congresso brasileiro, aquando da minha primeira deslocação a Brasília, em maio de 2022, e que, desde então, está a ser afinada entre as partes.

Por último, mas sem ser o menos importante: o protagonismo internacional da Assembleia da República e dos seus deputados contribui para a influência global de Portugal; e, mais uma vez, pode ser usada mais forte e estrategicamente pela nossa diplomacia.

Sem preocupações de exaustividade, lembro que o deputado Duarte Pacheco é correntemente o presidente da União Interparlamentar, que a deputada Edite Estrela é vice-presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que a deputada Joana Lima é presidente do Fórum das Mulheres da Assembleia Parlamentar do Mediterrâneo, que o deputado Pedro Roque é o presidente interino da Assembleia Parlamentar do Mediterrâneo e que muitos outros presidem a comissões de assembleias parlamentares. E, para que o quadro fosse sistemático, haveria de acrescentar-se os relatórios e as intervenções de fundo que são responsabilidade, em várias organizações parlamentares internacionais, de deputados portugueses, ou as propostas que têm feito, com vencimento. Também aqui, um melhor conhecimento e valorização do que cada um faz, pelos outros protagonistas da nossa influência externa, aumenta a coerência e eficácia desta mesma influência.

 

5.      Três regras de ouro

O Parlamento já é, portanto, um parceiro na política externa de Portugal; e isso deve ser mais assumido, mais conhecido e valorizado, isso deve ser incrementado.

O que implica certos desenvolvimentos nas nossas estruturas e métodos de trabalho, aqui na Assembleia da República, com melhor clarificação dos espaços e contributos próprios do presidente, da Conferência de Líderes, do plenário, das comissões parlamentares permanentes, das delegações às organizações parlamentares internacionais, dos grupos parlamentares de amizade, dos programas de cooperação, do nível político, institucional e dos serviços. Não curei aqui, naturalmente, destas questões mais internas, para me poder centrar nos pontos de articulação externa, designadamente com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e as suas redes: a rede diplomática e consular, a rede externa da AICEP, a rede internacional do Camões, quer na vertente da língua e cultura, quer na vertente da cooperação. Aliás, o recente estabelecimento, em novembro de 2022, de uma linha de contacto e partilha entre os serviços da Assembleia da República e o Instituto Camões, tendo em vista assegurar todas as sinergias possíveis dos respetivos programas de cooperação com países de língua portuguesa, parece-me ser uma boa maneira de situar e concretizar a colaboração.

As regras de ouro para a articulação são, na sua clareza e simplicidade, absolutamente decisivas. E são três. A condução da política externa compete ao Governo, e nele é coordenada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. É sempre útil a concertação dos esforços e a coordenação das atividades, nos graus de intensidade possíveis e adequados em cada caso: ou só informação; ou também ajustamento de objetivos, interlocutores, calendários; ou ainda acerto recíproco de prioridades e fins estratégicos. E nem a direção do Executivo em política externa, nem a concertação de ações com ele diminuem, antes, diria, aumentam a capacidade de o Parlamento agir com independência e autoridade, exercendo as suas competências constitucionais na aprovação das leis e dos tratados e no escrutínio e fiscalização dos atos do Governo e da administração.

Creio que esta clareza ajuda ao nosso empenhamento, segundo as atribuições de cada um; e disso, não tenho a mínima a dúvida, beneficiará a política externa portuguesa, no seu conjunto.



[1]  Desenvolvimento da intervenção na receção ao corpo diplomático português, na Assembleia da República, a 5 de janeiro de 2023.