Bem-vindo à página oficial da Assembleia da República

Nota de apoio à navegação

Nesta página encontra 2 elementos auxiliares de navegação: motor de busca (tecla de atalho 1) | Saltar para o conteúdo (tecla de atalho 2)

Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva1, na tomada de posse do Presidente do Conselho Nacional de Educação, Assembleia da República

 9 de junho de 2022


I

Começo por felicitar o Prof. Domingos Fernandes pela sua eleição como Presidente do Conselho Nacional de Educação. Quero salientar a forma expressiva como foi eleito, à primeira tentativa, garantindo a maioria absoluta necessária e, aliás, excedendo em muito o número de votos com que conta o grupo parlamentar que o propôs.

Isso é, na minha opinião, sinal do acerto da escolha. O Prof. Domingos Fernandes é um um académico que formou várias gerações de professores, que dedicou toda a sua vida ao estudo das ciências da educação e que também ocupou, ao longo da sua carreira, altas funções no Ministério da Educação e no Governo. É, portanto, uma personalidade na qual confiamos para desempenhar estas novas funções.

Esta eleição mostra também a importância que a Assembleia da República e todas as Sr.as e os Srs. Deputados atribuem ao Conselho Nacional de Educação. E, se me permitem, gostaria de refletir um pouco nesse facto.

 

II

O Conselho Nacional de Educação já existia, tecnicamente, antes da Lei de Bases do Sistema Educativo, mas, embora tivesse o mesmo nome, era uma coisa completamente diferente. Constituía um mero órgão de consulta do Governo.

É com a Lei de Bases aprovada em 1986 que se procede à reconfiguração do Conselho Nacional de Educação em três planos essenciais: em primeiro lugar, como uma peça essencial na nova arquitetura do sistema educativo; em segundo lugar, como uma instância de representação e de participação social nas políticas educativas; e, em terceiro lugar, como uma plataforma desgovernamentalizada - um processo que, aliás, a passagem da forma de designação do Presidente do Conselho Nacional de Educação, de nomeação pelo Governo para eleição pela Assembleia da República, exprime muito bem.

É esta peça essencial da organização do sistema educativo que, de acordo com as competências que a Lei de Bases lhe confere, tem funções consultivas, funções de organização e enquadramento da participação social nas políticas públicas e também funções de procura do consenso mais alargado possível sobre essas mesmas políticas educativas.

A lista dos presidentes do Conselho Nacional de Educação é também uma prova da importância que lhe conferiram aqueles que, em diferentes momentos, tiveram a responsabilidade de propô-los e aprová-los.

Se me permitem, recordarei os presidentes do Conselho Nacional de Educação pós-Lei de Bases do Sistema Educativo. São eles: Mário Pinto, Barbosa de Melo, Marçal Grilo, Teresa Ambrósio, Manuel Porto, Júlio Pedrosa, Ana Maria Bettencourt, David Justino e Maria Emília Brederode dos Santos. Esta sequência mostra bem a importância, o prestígio e a centralidade que o Conselho Nacional de Educação foi adquirindo e acumulando e de que hoje dispõe.

Se fizesse outro exercício e pensasse não apenas nos presidentes do CNE, mas na generalidade dos seus membros, chegaria também à identificação muito rápida de alguns deles. Não querendo deixar ninguém de fora, ocorrem-me à memória, imediatamente, José Mariano Gago, Ana Benavente, Joaquim Azevedo e tantos outros, que, com o seu trabalho, ajudam ou ajudaram o País a implementar um sistema educativo capaz de integrar todos e de produzir resultados para todos.

E esse é o terceiro critério de avaliação da importância do CNE, juntamente com as suas atribuições e competências e com a lista dos seus membros e presidentes, que queria relevar, porque da ação efetiva do Conselho Nacional de Educação temos todos beneficiado muito.

 

III

Beneficiámos, em primeiro lugar, no quadro da concretização da Lei de Bases. Como, repito, uma peça-chave na arquitetura do sistema educativo em Portugal, tal como a Lei de Bases de 1986 o organizou – e continua a ser, em grande medida, a vigente – o CNE tem sido estratégico para a sua consolidação.

Em segundo lugar, ele tem sido muito importante na preparação e no debate das políticas públicas. Várias vezes, o CNE foi a primeira instância pública a chamar a atenção para problemas efetivos, mas de que o País não tinha consciência plena. Lembro-me, por exemplo, do famoso relatório sobre a literacia, um estudo fundamental que o CNE, sob a presidência de Marçal Grilo, encomendou a uma equipa que era dirigida pela então conselheira Ana Benavente e que permitiu que compreendêssemos não só a dimensão da iliteracia, como a sua diferença face a essoutra questão da alfabetização.

O Conselho Nacional de Educação tem sido também um instrumento precioso na preparação das políticas públicas, seja através dos estudos que encomenda ou realiza, das conferências e iniciativas públicas que promove, das recomendações que faz por sua iniciativa e dos pareceres que elabora a pedido do Parlamento ou do Governo. Assim promove a consulta das partes interessadas e a expressão das suas vozes, e organiza e estimula a reflexão coletiva.

Em quarto lugar, o Conselho Nacional de Educação tem sido também importante na fase de implementação das políticas públicas, visto que é, por excelência, um órgão de acompanhamento - logo, um lugar de avaliação, de monitorização e de correção, quando necessário, ou aprofundamento dessas políticas.

Mais uma vez, sem fazer nenhum esforço de exaustividade, direi que devemos ao Conselho Nacional de Educação contribuições absolutamente marcantes em, pelo menos, estes domínios: a literacia; a plena integração da educação de infância na educação básica; o ensino profissional e a construção de uma fileira tecnológica e profissional; a articulação entre o sistema de ensino propriamente dito e o sistema de formação profissional; o Processo de Bolonha e a reorganização do ensino superior; a gestão escolar e a abertura da direção das escolas aos municípios, às famílias e aos encarregados de educação; a extensão da escolaridade obrigatória.

Outra área em que devemos muito ao CNE são os estudos e sistematizações de informação que vão revelando as transformações, muitas vezes subterrâneas, que a escola tem tido em Portugal.

O que é particularmente evidente desde 2010, ano em que, sob a presidência de Ana Maria Bettencourt, o CNE decidiu passar a fazer um relatório anual sobre o estado da educação em Portugal. É um instrumento precioso, também para os Srs. Deputados, porque permite seguir a evolução real do sistema educativo, a qual não se reduz à sucessão das leis, decretos-leis, portarias e despachos, e concretiza-se muito mais na forma como a sociedade olha para a escola, como oscila a procura de bens escolares, como as escolas vão trabalhando e produzindo resultados.

O Conselho Nacional de Educação foi, aliás, a primeira instância a perceber bem a importância de fenómenos tão decisivos para o nosso hoje, como a redução do abandono escolar, a massificação do ensino superior, a universalização da frequência do ensino básico e a quase universalização da frequência do ensino secundário, o crescimento progressivo, quer do ensino profissional e tecnológico, quer da educação artística.

 

IV

Por isso é que precisamos tanto do Conselho Nacional de Educação. Não como órgão de fiscalização do Governo e da Administração – prerrogativa que cabe primacialmente à Assembleia da República. Nem para lhe delegarmos tarefas de execução, administração ou gestão, que competem aos ministérios, às autarquias, às escolas. Nem muito menos para fazer dele uma representação neocorporativa, a câmara de eco das reivindicações setoriais ou um instrumento de cooptação, integração e neutralização dessas mesmas reivindicações. E, finalmente, também não é como centro de estudos aplicados que necessitamos do CNE.

A verdade é que precisamos dele tal como ele é: uma estrutura de participação social nas políticas educativas. Para isso é que a Lei de Bases o reconfigurou e desgovernamentalizou. Por isso é que a sua representatividade se foi alargando ao fio dos anos, de forma a incorporar vozes externas às escolas, vozes do ambiente social das escolas, decisivas para o bom andamento da educação.

Mas o que quer dizer isso de o Conselho Nacional de Educação ser uma estrutura de participação social nas políticas educativas?

Que o CNE (e regresso à letra do artigo respetivo da Lei de Bases do Sistema Educativo) é o órgão através da qual procuramos consensualizar - e, portanto, enraizar na nossa sociedade, mobilizando todos os atores necessários - os grandes objetivos da política educativa.

Entendamo-nos. Não se trata de retirar a ideologia da política educativa. Política sem ideologia é pura dominação burocrática. Não se trata de impor à diversidade constitutiva da democracia um unanimismo ou um consenso artificial.

Trata-se, isso sim, usando palavras de José Mariano Gago a propósito da ciência, de favorecer um movimento social pela educação, pela educação de qualidade para todos, esse objetivo do desenvolvimento sustentável tão indispensável.

É isso que queremos dizer quando falamos em consensualização. É esse esforço de acordar nos grandes objetivos, nas grandes ambições do nosso sistema educativo e de mobilizar todas as forças sociais, educativas, culturais, políticas para esse efeito.

A participação social nas políticas públicas significa contribuir para a identificação tempestiva, às vezes até precoce, pioneira, na definição dos problemas que a política educativa deve enfrentar. Eis uma função de tomada de consciência. Significa envolver os atores pertinentes na preparação das políticas, através de estudos, colóquios, debates, reflexões. Significa organizar a contribuição das partes interessadas através de pareceres e recomendações devidamente discutidos, aprovados e transmitidos aos decisores. Significa acompanhar a realização das políticas, avaliar processos e resultados, alterar e melhorar, se conveniente.

É por isso que é tão importante que a eleição e a tomada de posse do Presidente do Conselho Nacional de Educação se façam aqui, na Assembleia da República. O Parlamento é que lhe confere legitimidade. Todos os grupos parlamentares estão representados no Conselho, através da pessoa que livremente entendam ser a mais preparada. E Parlamento e Conselho são, e devem ser cada vez mais, interlocutores um do outro.

Insisto: precisamos de unidade e mobilização social nos grandes objetivos do nosso sistema educativo; e precisamos de pluralismo, de diversidade e de debate sobre as estratégias e as medidas de política para atingi-los.

Longe de mim querer aqui fixar qualquer mandato ao CNE e ao seu Presidente. Pretendo, apenas, manifestar o apoio da Casa da democracia ao seu trabalho e à sua intervenção.

Nós precisamos do Conselho Nacional de Educação.

___________________________________

 [1] - Transcrição da intervenção oral, revista pelo autor.