Intervenção do Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, na Conferência “O Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos – 5 anos depois”
Sala do Senado, 25 de fevereiro de 2025
Começo por cumprimentar os organizadores desta conferência.
É importante que nos juntemos em torno do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos. Não só para assinalar os cinco anos da sua última revisão, mas também para pensar o futuro.
E bem precisamos de pensar o futuro!
Proponho-vos um exercício. Pensemos em nomes como Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Adriano Moreira, Fernando Rosas, Manuel Alegre, Vasco Graça Moura, Manuel Sérgio, Francisco Lucas Pires.
Todos têm duas coisas em comum.
A primeira é que foram deputados – na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu.
A segunda é que, hoje, provavelmente, teriam grande relutância e indisponibilidade para exercer cargos na política.
O que Natália Correia escreveria, se a sua declaração de rendimentos fosse, gratuitamente, manchete de um jornal?
E o que seria a nossa democracia, se não tivesse podido contar com Natália Correia. Com cada uma destas pessoas que mencionei. E com tantas outras, das várias áreas políticas, que marcaram a vida parlamentar e a cidadania.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Preocupa-me pensar em pessoas como Natália Correia que, ao dia de hoje, estamos a perder.
Que não restem dúvidas: vivemos hoje uma crise de indisponibilidade das pessoas de bem para a participação na política. Há uma dificuldade geral, transversal a todas as áreas políticas, em trazer para o seu seio os melhores.
Não é um problema de um só partido. Por isso, não se resolve com retórica inflamada contra o partido vizinho. Não se resolve com discursos antissistema, ou com considerações moralistas.
O problema é transversal. E precisa de soluções transversais. Soluções sistémicas.
A política portuguesa precisa de mobilizar os académicos mais capazes. Os profissionais mais qualificados. Os representantes mais adequados para os diferentes interesses que existem na sociedade.
Escolho esta palavra propositadamente. Interesses. Os deputados, por exemplo, devem mesmo defender interesses.
Os interesses das suas terras e regiões. Os interesses de uma classe profissional, comunidade ou setor. Os interesses dos agricultores ou dos professores. Do sector da saúde ou dos pequenos empresários. Das pessoas com deficiência ou das comunidades imigrantes.
É o conjunto dos interesses que constitui o interesse nacional!
Precisamos, por isso mesmo, de políticos que defendem interesses. Não os seus próprios, mas os dos portugueses que representam. Isso faz a diferença do político para o interesseiro!
E, quando estamos – quer por demagogia, inveja ou maledicência – demasiado preocupados com os interesses dos políticos, corremos o risco de só ficar com políticos sem interesse algum.
Talvez este discurso seja polémico. Talvez seja impopular.
Criou-se em Portugal, um terreno armadilhado na discussão sobre o estatuto dos titulares de cargos políticos.
Não só pelas leis, mas sobretudo pelo ambiente mediático que se criou. Um ambiente de suspeição face aos políticos. Sem cuidar do que é trigo e do que é joio. Degradando, por falta de rigor, o sentido nobre da função.
Um ambiente que, tantas vezes, parece querer cobrar dos políticos um grau de transparência que visa apenas o voyeurismo, e não o escrutínio sério de quem serve a causa pública.
Um ambiente que deixou de avaliar as leis pelos seus méritos.
Um ambiente que, tantas vezes, em vez de criar mecanismos para combater e punir a corrupção, prefere presumir que todos são suspeitos e potenciais culpados.
É uma inversão do ónus da prova. E é, sobretudo, uma degradação do modo como olhamos, coletivamente, para a política.
Precisamos de voltar a olhar para o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos. Mas não só. Precisamos de mudar a forma como olhamos para a política. As exigências que, enquanto sociedade, fazemos aos servidores públicos.
Todos sabemos como é difícil a quem tem uma vida privada fazer política.
Quem tem uma carreira profissional. Quem tem currículo no sector privado. Quem tem empresas próprias, quem fez negócios – vê-se muitas vezes inibido de participar na política, ainda que sem qualquer incompatibilidade ou conflito de interesses.
E corremos o risco, com isso, de atrair para o serviço público apenas os que não têm percurso feito no privado.
Os políticos de carreira. Os que sempre fizeram política, e nada mais.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Há uma ligação direta – evidente – entre as regras que impomos aos políticos e a dificuldade que temos em mobilizar os nossos melhores.
Termino, por isso, com um apelo.
Celebramos, neste ano, os 50 anos das primeiras eleições livres. É uma excelente ocasião para homenagear os nossos primeiros deputados. Os fundadores do regime democrático.
Mas também é tempo, como há pouco vos dizia, de pensarmos no futuro. De mudarmos regras e mentalidades, para que volte a ser possível recrutar os melhores para a política.
Nada na nossa sociedade – nada – é tão importante como o governo da coisa pública. Temos mesmo de conseguir chamar os melhores.
Hoje, como há 50 anos, a democracia não é garantida. Tem de ser conquistada, melhorada, construída, num esforço constante e resiliente.
Ninguém cumprirá por nós esta tarefa de peso. Saibamos estar à altura dela!
Disse.