21.06.2021 | Sessão de Encerramento do Primeiro Dia da Conferência Fundos Europeus: Gestão, Controlo e Responsabilidade | Pequeno Auditório da Culturgest, Lisboa
A pandemia de COVID-19 colocou as nossas sociedades perante um desafio sem precedentes nos últimos três quartos de século.
São desafios sanitários: proteção de vidas, prestação de cuidados de recuperação aos que sofrem das sequelas longas da COVID-19 (que sabemos poderem ser dramáticas, de medicina de reabilitação e de saúde mental), reconstrução económica e social, recuperação do gozo de liberdades civis – parte plena da nossa vivência em comunidade.
Em boa hora as Instituições Europeias compreenderam a dimensão, a extensão e a profundidade do impacto da pandemia.
Convém lembrar que esta é exógena e transversal, impacta em todos os Estados-Membros, independentemente da geografia, da dimensão e do grau de desenvolvimento económico.
Basta olhar para os relatórios publicados pela Comissão Europeia, pelo FMI ou pela OCDE: quebra do produto interno bruto, da atividade económica, do emprego e, até, da taxa da natalidade e da esperança de vida.
Como representantes legítimos do eleitorado, é nosso dever ouvir e ir ao encontro dos eleitores.
É esse o sentido da democracia representativa.
Fazê-lo é uma exigência que se desdobra a nível local, regional, nacional e europeu.
Aqui, cabe uma palavra de apreço para as Instituições da União Europeia, que cedo se aperceberam da dimensão deste tsunami que é a pandemia.
Lembro o trabalho feito e os resultados conseguidos pela Comissão Europeia na aquisição de vacinas contra a COVID-19, sabendo-se que aquela não tinha capacidade instalada prévia.
É bom lembrá-lo: as competências da União em matéria de saúde são complementares das competências nacionais.
Porém, foi o trabalho incansável de Ursula von der Leyen e da Comissão Europeia que permitiu que a Europa esteja hoje tão avançada no processo de vacinação dos europeus.
Não se ficou por aqui a União Europeia.
Em dezembro de 2020, aprovou o programa
NextGenerationEU.
Convém recordar, estamos perante um instrumento de alcance singular e potencial multiplicador a vários títulos:
- pelo período temporal de vigência, independentemente do que, a seu tempo, se possa prefigurar sobre o seu futuro pós-2023;
- pelo mecanismo de financiamento, que permite à Comissão Europeia aumentar os seus recursos próprios mediante o financiamento nos mercados, o que exigiu a ratificação pelos Parlamentos Nacionais, como foi o caso, em finais de janeiro, da Assembleia da República;
- pelo volume das verbas – parte subsídios, parte empréstimos.
Há, de facto, um período ante-COVID e um período pós-COVID, com repercussão imediata na forma como trabalhamos.
As decisões acordadas em dezembro configuram um salto qualitativo no caminho de uma União Europeia mais solidária e coesa.
Se de impacto hamiltoniano ou não, o tempo o dirá.
Em todo o caso, só deste modo estaremos todos, a União e os seus Estados-Membros, em condições de responder aos grandes desafios atuais da revolução digital, da transição ecológica e das qualificações.
Ou seja, de criar uma União mais resiliente, apta a agir com celeridade e eficácia na defesa dos seus interesses.
Fazê-lo exige cuidado no respeito pelos princípios básicos da transparência e da responsabilidade, sem os quais fica fragilizada a boa governação.
Para o próximo ano, a União contará, aliás, com o trabalho da Procuradoria Europeia para proteção dos interesses financeiros europeus.
Sem uma boa gestão não há bons resultados.
A sua abordagem não pode ser meramente reativa, devendo estar igualmente atenta a eventuais sinais negativos de alerta.
No que respeita à Assembleia da República, esta preocupação é uma exigência, plasmada nas suas funções constitucionais de fiscalização.
No mesmo sentido se pronuncia o Tratado de Lisboa, ao estatuir que os Parlamentos Nacionais contribuem ativamente para o bom funcionamento da União.
Trata-se de um poder-dever a que nenhum de nós se pode eximir.
Para o efeito, a Assembleia da República dispõe dos mecanismos necessários, através das suas várias Comissões Permanentes, com destaque para a Comissão de Assuntos Europeus e para a Comissão de Orçamento e Finanças.
Dispõe, igualmente, de um órgão autónomo com competências autónomas, a UTAO.
Recordo que se trata de uma unidade especializada que funciona sob orientação da Comissão Parlamentar Permanente com competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe apoio na elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.
Pela frente, temos a gestão de um binómio que exige uma articulação harmoniosa: a urgência na utilização dos fundos, de modo a podermos acudir à emergência económica, e a garantia da sua boa execução.
Só desta forma estaremos à altura da confiança que em nós foi depositada pelos eleitores, e só assim conseguiremos resultados tangíveis e sustentados, capazes de erguer a economia portuguesa a um novo patamar de desenvolvimento e prosperidade.
Em suma: há que velar para que os investimentos que viermos a fazer sejam efetivamente reprodutivos, tornando mais resiliente o nosso tecido económico e social e mais competitiva a capacidade externa da nossa economia – e velar também para que a nossa capacidade de absorção esteja à altura das nossas ambições.
Para que tal se materialize, é bom ter presente que esta não é só uma questão institucional, restrita aos poderes eleitos ou nomeados. É, antes do mais, uma exigência de cidadania, de ética republicana.
A capacidade de aproveitarmos o que pode constituir um motor catalisador de transformação da nossa sociedade, da nossa economia, do nosso sistema educativo, da nossa relação com o ambiente, a nossa resposta à revolução tecnológica em curso, para que todos – e friso todos –, sem divisões, possamos contribuir para fazer de Portugal um País económica e socialmente mais coeso, competitivo e desenvolvido.
Um País que realiza os direitos fundamentais de cada cidadão, um País mais participante, mais presente e atuante num mundo em mudança acelerada e apto a enfrentar os desafios atuais e emergentes.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Eduardo Ferro Rodrigues
Presidente da Assembleia da República