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O Estado Novo (1933-1974)

Multidão concentrada na frontaria do Palácio de São Bento, 15 de abril de 1945.

Multidão concentrada na frontaria do Palácio de São Bento, 15 de abril de 1945.

Durante a ditadura militar que se seguiu ao golpe militar de 1926, a Constituição de 1911 vigoraria apenas em teoria, tendo sido alterada por sucessivos decretos governamentais. Sendo, no entanto, uma das bandeiras deste golpe o antiparlamentarismo, depressa se compreenderá que entre 1926 e 1935 - data do início da primeira legislatura da Assembleia Nacional do Estado Novo - a ideia de Parlamento, enquanto órgão de soberania, não conste das prioridades políticas do poder. 


A Assembleia Nacional na Constituição de 1933

 O Presidente da Assembleia Nacional, Albino Soares dos Reis, passando revista à guarda de honra, 25 de novembro de 1947.

O Presidente da Assembleia Nacional, Albino Soares dos Reis, passando revista à guarda de honra, 25 de novembro de 1947.

Longe dos debates de uma assembleia constituinte, a Constituição de 1933 foi plebiscitada (1) a partir de um projeto de Constituição concebido e elaborado pelo Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, coadjuvado por um pequeno grupo de colaboradores.

A Constituição de 1933, embora formalmente estabelecesse um compromisso entre um estado democrático e um estado autoritário, permitiu que a praxis política conduzisse à rápida prevalência deste último.

Os direitos e garantias individuais dos cidadãos previstos na Constituição, designadamente a liberdade de expressão, reunião e associação, serão regulados por "leis especiais".

A primeira Assembleia Nacional foi eleita em 1934 por sufrágio direto dos cidadãos maiores de 21 anos ou emancipados. Os analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a 100$00 e as mulheres eram admitidas a votar se possuidoras de curso especial, secundário ou superior. O direito de voto às mulheres já fora expressamente reconhecido pelo decreto 19 694 de 1931, embora com condições mais restritas que as previstas para os homens.

A capacidade eleitoral passiva determinava que podiam ser eleitos os eleitores que soubessem ler e escrever e que não estivessem sujeitos às inelegibilidade previstas na lei, onde se excluíam os "presos por delitos políticos" e "os que professem ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente, à disciplina social..." (2). É na I Legislatura da Assembleia Nacional que encontramos, pela primeira vez, três mulheres Deputadas.

A Assembleia Nacional, prevista nesta Constituição, tinha estrutura monocameralista. Existia também a Câmara Corporativa, que era um órgão de consulta, embora, de facto, se tivesse transformado num importante centro de grupos de pressão, representando interesses locais e socioeconómicos.

Na versão original do texto constitucional, o poder legislativo é atribuído exclusivamente à Assembleia Nacional, embora essa atividade legislativa se devesse restringir à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos, permitindo-se que o governo legislasse no uso de autorizações legislativas ou "nos casos de urgência e necessidade pública", devendo, neste caso, o governo apresentar o decreto-lei à Assembleia, para ratificação, nas cinco primeiras sessões após a sua publicação.

As sucessivas revisões constitucionais haveriam de subverter o primado de jure da competência legislativa do Parlamento que, de facto, nunca teve e que culminou na revisão de 1945, em que o governo passou a ter competência para legislar através de decretos-leis também fora dos casos de urgência e de necessidade pública.(3)
O instituto da ratificação (direito da Assembleia alterar legislação produzida pelo Governo) já tinha sido mitigado na revisão constitucional de 1935, sujeitando-se à fiscalização apenas os decretos-leis publicados durante a sessão legislativa, aparecendo na última revisão da Constituição em 1971 uma figura processual semelhante à ratificação tácita, no caso de não ser requerida pelos Deputados.

A reserva absoluta de competência legislativa é substancialmente alargada na revisão constitucional de 1971, embora sempre através de bases gerais a desenvolver pelo Governo.

O direito de iniciativa legislativa pertencia, indistintamente, aos Deputados (limitado, depois da 1ª revisão constitucional, a projetos que não viessem a envolver aumento de despesa ou diminuição das receitas), e ao Governo, exceto as iniciativas de lei de matérias referentes ao ultramar, as quais, depois da última revisão constitucional, passam para a competência exclusiva do Governo.

Depois desta revisão é mesmo reconhecida ao Presidente do Conselho a intervenção na fixação da agenda dos trabalhos parlamentares.

O período da legislatura é fixado em quatro anos e a sessão legislativa começou por ter uma duração de três meses improrrogáveis, para se fixar, com a revisão constitucional de 1971, em três meses e meio, divididos em dois períodos, podendo o Presidente da República convocar extraordinariamente a Assembleia ou adiar as suas sessões.
O parlamento do Estado Novo pode ser dissolvido pelo Presidente da República sempre que este o entender e "assim o exigirem os interesses superiores da Nação"- é a fórmula constitucional adotada - bastando-lhe ouvir o Conselho de Estado.

É o Presidente da República que dá à Assembleia Nacional poderes constituintes para esta proceder às revisões constitucionais, podendo inclusive indicar as matérias a rever, "quando o bem público imperiosamente o exigir".
É também ao Chefe de Estado que compete em exclusivo a nomeação, exoneração e mesmo o acompanhamento político da atividade do Governo, não tendo a Assembleia quaisquer competências constitucionais nestas matérias, na medida em que os ministros respondem politicamente perante o Presidente do Conselho e este responde apenas perante o Presidente da República.

A Assembleia Nacional reuniria pela última vez, sem quórum, na manhã de 25 de Abril de 1974, data do derrube do Estado Novo pelo Movimento das Forças Armadas.

O partido único durante o Estado Novo

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de abril de 1949.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de abril de 1949.

As dificuldades do regime vinham sendo agravadas com o problema colonial, sobretudo desde 1961, tendo o serviço militar obrigatório sido progressivamente alargado para um mínimo de dois anos de permanência na guerra nas colónias africanas.

Em 1968, na sequência da queda de Salazar de uma cadeira, que o deixa mentalmente diminuído, Marcelo Caetano é nomeado para a Presidência do Conselho de Ministros, passando o partido único a ser designado por Ação Nacional Popular, a partir de fevereiro de 1970, no V Congresso da União Nacional.”

Nas eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, Marcelo Caetano pretende revitalizar o partido único e ensaiar uma relativa mudança no regime (4), permitindo a concorrência de comissões eleitorais da oposição, sem contudo autorizar a constituição de partidos, nem atualizar os cadernos eleitorais e restringindo a campanha eleitoral apenas a um mês antes das eleições. Nas listas do partido único foram incluídas algumas personalidades independentes que viriam a enquadrar a chamada "ala liberal" da Assembleia Nacional. Estas iniciativas evidenciaram a rigidez do regime e a sua incapacidade de abertura e renovação. Muitos dos deputados que haviam integrado a "ala liberal" acabariam por renunciar aos seus mandatos, designadamente após a revisão constitucional de 1971 onde foi gorada qualquer possibilidade de introduzir alterações aos princípios constitucionais de concentração de poderes no Presidente do Conselho de Ministros e no Presidente da República.

Em 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, com imediata e vastíssima adesão popular, punha fim ao regime do Estado Novo que dominara o país durante quase meio século.

    


 (1) Esta foi a única Constituição a ser aprovada por sufrágio referendário. Num universo eleitoral de cerca de um milhão e trezentos mil eleitores, as abstenções e os votos em branco contaram como votos a favor. A entrega do boletim em branco - onde constava a pergunta "Aprova a Constituição da República Portuguesa?" - contava como um "sim", enquanto que o "não" deveria ser expressamente escrito. O sufrágio era obrigatório e muitas das liberdades fundamentais estavam restringidas.

(2) Artigo 3.º do Decreto n.º 24 631 de 6 de novembro de 1934.

(3) Como se pode ler no parecer da Câmara Corporativa, esta alteração visou "regularizar constitucionalmente a situação de facto: o Governo é órgão legislativo normal e a Assembleia órgão legislativo excecional" (Diário das Sessões, n.º 176 de 16 de junho de 1945).

(4) “Marcelo Caetano pretendia trazer para junto de si uma nova geração de políticos que dessem um novo fôlego às instituições…” Mota Amaral, “A «ala liberal» e o 25 de Abril”, in “Os anos de Abril, vol. 1, O fim do Marcelismo”, Lisboa,  2014.

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