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Intervenção de Eduardo Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República, nas cerimónias fúnebres de Estado de Mário Soares
Mosteiro dos Jerónimos | 10 de janeiro
INTERVENÇÃO DE EDUARDO FERRO RODRIGUES,
 
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA


CERIMÓNIAS FÚNEBRES DE ESTADO DE MÁRIO SOARES

MOSTEIRO DOS JERÓNIMOS – 10 JANEIRO 2016

 

Já muito foi dito nestes dias de tristeza e reflexão.

Como Presidente da Assembleia da República, quero apenas manifestar aqui três sentimentos a propósito do desaparecimento do nosso querido Mário Soares: Sentimentos de Dor, Admiração e Gratidão.

Sou solidário com a dor do João, da Isabel, dos netos e netas, que não há muito tempo perderam a companhia de outro pilar da família: a nossa querida Maria Barroso, grande mulher, grande portuguesa.

Sou solidário com a dor dos deputados à Assembleia da República pelo desaparecimento de uma referência cimeira da nossa Democracia representativa. Sei que da direita à esquerda, esta dor é partilhada.

Sou solidário com a dor dos militantes e simpatizantes do Partido Socialista neste momento em que desaparece o camarada nº 1. 

Sou solidário com a dor do País que perde um líder político que sempre se bateu por causas e princípios. Um país que se exprime fortemente nestes dias, e marginaliza os saudosistas do ódio.

Ao sentimento de dor junta-se o sentimento de admiração.

Admiração pelo jovem político do MUD (lembro-me de os meus pais me relatarem a sua camaradagem no MUD juvenil), pelo preso do Aljube; pelo exilado político; pelo líder democrático que se bateu contra a ditadura e a guerra colonial, e que chega a Santa Apolónia a 28 de abril de 1974. 

Admiração pelo seu exemplo de coragem.

O lema de Mário Soares foi sempre o mesmo: em política, só perde quem desiste de lutar. E foi assim que em 1986 partiu com sondagens adversas e acabou a ganhar as presidenciais, numa campanha que mobilizou os portugueses. 

Tinha uma sintonia impressionante com o povo português.

Os portugueses conheciam-no e ele conhecia bem Portugal e os portugueses.

Mário Soares costumava dizer que não devem ter existido muitos portugueses que num dado momento, entre 1975 e 2005, não tenham votado pelo menos uma vez nele. E também que em certos momentos ou fases não o tivessem combatido.

E de facto foi mesmo assim!

Tinha um gosto contagiante pela vida e pelo País.

Tinha a coragem política dos grandes. Sempre presente, nos momentos bons e nos menos bons.

Quero também manifestar admiração pelo espírito solidário de Mário Soares, que pude testemunhar de perto quando liderei o PS.

Ser militante número 1 do Partido Socialista não era para ele um simples privilégio, era mais um motivo para ser o primeiro a dar a cara.

Preferiu sempre a intervenção e o risco ao sofá e à crítica fácil.

Por isso, mais do que militante número 1 do PS, foi o militante número 1 da nossa democracia.

Nem sempre estivemos do mesmo lado da barricada mas hoje reconheço que, na grande maioria das vezes, teve a razão do seu lado. Porque a democracia não deve ter adjetivos. E Portugal é e sempre será europeu.

Tinha a visão dos grandes estadistas e a intuição dos grandes políticos. Pôs sempre Portugal em primeiro lugar.

Bateu-se como um leão até ao último dia, em particular neste derradeiro e comovente combate.

É pois também de gratidão que vos falo.

Uma gratidão pessoal que é partilhada pela esmagadora maioria dos portugueses.

Advogado antifascista, foi democrata ainda durante a ditadura.

Foi um homem aberto à Europa e ao Mundo, quando oficialmente o País ainda estava "orgulhosamente só". 

Se é costume dizer-se dos grandes políticos que a sua vida se confunde com a do tempo histórico que viveram, no caso de Mário Soares, é mesmo o último quartel do século XX português que se confunde com ele, tendo estado em luta contra a ditadura desde meados do século passado e tendo continuado os seus combates nestes anos do século XXI.

Como Deputado e Constituinte, honrou a democracia que ajudou nascer ao lado de tantos antifascistas e dos capitães de abril, que hoje não podem nem devem ser esquecidos.

Como Primeiro-Ministro, deixou-nos as bases do Serviço Nacional de Saúde e a adesão à então Comunidade Económica Europeia, assinada pelo seu punho precisamente aqui nos claustros dos Jerónimos, no final de um cargo que desempenhou acima de tudo com vontade patriótica.

Como Presidente da República, moldou o entendimento que temos do cargo, afirmando Portugal no mundo e abrindo a presidência à sociedade e à cultura.

O Portugal livre, democrático e europeu, o Portugal dos oceanos, cosmopolita e solidário, é o País de Mário Soares. 

Mário Soares foi um Grande Português.

Acredito que é assim que a História o lembrará.

Porque é de História que falamos quando falamos de Mário Soares.

Mas também de futuro, porque o seu exemplo vai perdurar e inspirar.

Dizia Bertolt Brecht que "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, e há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis."

Mário Soares lutou até ao fim.

Obrigado Mário Soares.


Eduardo Ferro Rodrigues

 

10.01.2017